Publicado originalmente com o título “Contribuintes, os eternos excluídos”. Mídia Sem Máscara, 08 de maio de 2003.

“Quando ouço falar em cultura, saco logo meu talão de cheques” — Millôr Fernandes 

Nesta última semana surgiu uma enorme polêmica relacionada com uma entrevista concedida pelo cineasta (sic) Cacá Diegues denunciando o que seriam regras de censura às obras de arte estabelecidas pelo novo Governo. Tais regras, que se referem somente ao financiamento por parte das estatais, foram comparadas às estabelecidas pelo Comissário da Cultura de Stalin, Andreï Jdanov (1), que determinaram o aparecimento do que se denominou “realismo socialista”. Logo se juntaram a ele outros membros da classe de espetáculos, todos indignados com a postura do Governo no qual haviam depositado tanta esperança. Tolamente dizia Cacá que “o Lula não deve saber o que está ocorrendo”.

Ora, é claro que o Presidente da República sabia perfeitamente bem o que estava ocorrendo pois o responsável pelo entrevero é um de seus auxiliares mais íntimos, Luis Gushiken, Ministro Chefe da SECOM. O convite para a figura patética de Gilberto Gil assumir o Ministério da Cultura provavelmente já fazia parte do plano: um Ministro que se sabia ser fraco, para deixar tudo nas mãos do Planalto. O que não deu certo com a política externa, com Marco Aurélio Garcia se sobrepondo ao Itamarati — pois este tem uma forte estrutura que se rebelou — parecia estar dando certo na Cultura.

O que saiu de errado? A entrevista de Cacá Diegues parece ser uma crítica ideológica à tentativa do Governo controlar as artes. Ao comparar com o jdanovismo e também com o regime militar no Brasil, Cacá traça a diferença fundamental: enquanto este último apenas censurava algumas tendências, o primeiro impõe tendências específicas e únicas. Perfeitamente enquadrado na diferença traçada por Hanna Arendt entre regimes autoritários e totalitários.

Parece crítica ideológica, mas não é, pois tudo ficou resolvido numa reunião a portas fechadas, de horas de duração, com direitos a abraços e beijos, a suposta entrega a Gil do poder no setor, e um artigo hoje no Globo do Presidente da ELETROBRÁS, Luiz Pinguelli Rosa, “A ELETROBRÁS e a Cultura”, um primor de arrogância, hipocrisia e cinismo. O que terá sido acertado naquela reunião? Os principais interessados, os que financiam — os contribuintes — não foram convidados e, portanto, não sabem de nada.

Desde os anos 80 passou-se a usar um termo vazio de significado — cidadania — para indicar uma condição que ninguém sabe bem o que significa. Culminou com a bombástica e oca frase de Ulisses Guimarães proclamando a “Constituição Cidadã”, um amontoado de determinações absurdas como tabelamento constitucional de juros, reforço da estatização, estabilidade e direito de greve para os funcionários públicos, e outras pérolas. Prefiro ser chamado pelo que realmente sou — contribuinte. Ao menos sei meu sofrido papel de eterno otário. 

A tal reunião se deu en petit comité entre mamadores e os controladores das tetas; os que fornecem o leite — os contribuintes — mais uma vez ficaram excluídos, mas devem se considerar cidadãos, que honra! Se ainda estivéssemos em Atenas, onde tudo se resolvia na Ágora vá lá, mas aqui não, não nos convidam para saber se queremos ou não dar nosso dinheiro para um bando de pseudocineastas que sabem muito bem que em Holywood só sobreviveriam como fotógrafos lambe-lambe nos bairros latinos. Concordo plenamente com Huascar Terra do Vale quando diz (2): O filme brasileiro é da pior qualidade porque é feito, não para agradar a audiência, mas aos burocratas que distribuem verbas. O exemplo americano demonstra cabalmente que só serão feitos filmes de boa qualidade quando financiados pela bilheteria, ou seja, quando acabarem todos os subsídios.

Quem quiser ajudar o cinema brasileiro que pague entrada e assista. Não se pode é obrigar todos os brasileiros a contribuírem indiretamente para os Cacás, Barretos, Norma Bengells (5,8 milhões pelo ralo!) et caterva se locupletarem em nefasto conluio com os Presidentes de Estatais, eles mesmos eméritos mamadores, como o Pinguelli Rosa que após se aposentar, voltou ao cargo e recebe dois salários da UFRJ, provavelmente engordados agora com o de Presidente deste mamute inútil. Não nos convidam porque poderíamos dar outras sugestões, como privatizar estes dinossauros ávidos do nosso dinheiro ou baixar as tarifas de luz ou de gasolina — Petrossauro e BR Distribuidora são as maiores financiadoras — ou outras opiniões tão desconfortáveis.

Não nego que o PT tenha tendência jdanovista mas não é disto, na verdade, que Cacá e seus amigos se queixavam: certos de terem no Governo do PT fartíssimas tetas para mamar, subitamente se viram sem elas. Não há nada de ideológico, é puro interesse pecuniário. Basta soltar a grana que eles se aquietam e a falsa polêmica acaba. Cabe a nós, eternos otários excluídos, pagarmos a conta sem chiar.

[01] Para maiores informações ler excelente artigo de Ipojuca Pontes

[02] Cinema nacional! Que horror!