Artigo publicado originalmente na Mídia sem Máscara ,em 16 de outubro de 2002.

Everybody happy?
We! We! We!
To hell with the chappyThat doesn’t agree

— E. E. Cummings

Nunca fui fã dos papéis tipo namoradinha do Brasil da atriz Regina Duarte, mas admirei seus dotes artísticos como a Viúva Porcina, quando, mesmo não sendo muito de ver novelas, não queria perder nenhum capítulo. Acostumado a ver apenas seus personagens, conheci a pessoa nesta última semana e passei a admirar sua coragem! Sim, Regina Duarte tem medo do Lula, mas tem coragem para vir à público dize-lo. O que não é pouco, tendo-se em vista o implacável patrulhamento de que foi alvo. Felizmente outros notáveis se lhe uniram como Carlos Vereza e Beatriz Segal, por enquanto.

Some-se a isto o Lula proibindo o Boris Casoy de sequer continuar perguntando sobre a ligação PT-MST-FARC, o fechamento da loja Daslu, em São Paulo pela Martinha — que deve ter feito suas comprinhas antes, porque ninguém é de ferro — a cassação do site do Diego Casagrande, as ameaças ao Simões Pires, ao Políbio Braga e ao filósofo Denis Rosenfield pelo governo petista lá no Sul, e a Márcio Coimbra, em Brasília, que teve sua tese de doutoramento vetada por uma professora petista, e temos um quadro alarmante para o futuro do nosso País se, como tudo parece indicar, os patrulheiros vencerem.

Nós brasileiros vamos experimentar uma situação nunca vivida antes: uma ditadura totalitária que exige que todos sejam felizes, mesmo os que preferem não sê-lo. Este mesmo pessoal que não perde tempo em demonizar a ‘ditadura militar’, enquanto se locupleta com indenizações milionárias por terem lutado contra ela, mostra-se mais ditatorial do que se pode dizer de qualquer coisa ocorrida naquele período.

Nos tais anos de chumbo houve combates implacáveis a inimigos implacáveis. Havia dois lados, um venceu, o outro perdeu. Hoje parece que isto está invertido, mas aí é outro artigo. Vivi aquele período e não gostaria de repetir a dose, mas é preciso lembrar aos mais jovens, que só ouvem a cantilena marxista atual, que nos governos Castello Branco e Costa e Silva houve um verdadeiro desabrochar da cultura brasileira, principalmente das artes cênicas. Criou-se o teatro Opinião, encenou-se Liberdade, Liberdade, com os geniais Paulo Autran e Tereza Rachel, obra de Oduvaldo Vianna Filho que antes pertencera ao Centro Popular de Cultura da UNE, ocorreram os famosos Festivais da Canção, que revelaram Elis Regina, Jair Rodrigues, Geraldo Vandré e Chico Buarque — os dois últimos nitidamente de oposição ao regime militar — os Novos Bahianos, e por aí vai. Surgiu o cinema novo. 

Este pessoal tinha liberdade de dizer o que bem quisesse, a ‘ditadura’ só combatia aqueles que ‘queriam ser felizes a la cubana’ e que para isto tomaram armas e começaram os tempos negros, de chumbo ou o que seja.

Hoje, o que se pode antecipar é um regime no qual todos têm que ser felizes, e ao inferno com quem não concorda, como na epígrafe. Teremos todos que nos conformar a ser imbecis coletivos quando nos perguntarem se estamos felizes: We, We, We. Quem discorda e tem medo, às chamas do inferno! O que se delineia é a distinção entre autoritarismo e totalitarismo, que foi conceituada pela insuspeita Hannah Arendt: nos regimes autoritários os donos do poder combatem determinados grupos que lhe são opostos; no totalitarismo obriga-se a totalidade das pessoas a pensarem igual, serem todas felizes da mesma maneira, sem nenhuma divergência, como agora ficou claro no Iraque, pois 100% da população apóia o Saddam Hussein. Nem Mao, nem Fidel, nem o Politbüro da URSS jamais tentaram tamanha farsa, se contentam com 99,5%! Além de Hannah Arendt, George Orwell intuiu isto e descreveu magistralmente no 1984 e na Revolução dos Bichos.

Parabéns à Regina Duarte pelo seu melhor papel: o de ela mesma!