Publicado originalmente em “O Legionário”, N.º 89, 1 de novembro de 1931, p. 2
É freqüente encontrar-se entre historiadores superficiais ou sectários a afirmação de que, na Idade Média, um Concílio teria discutido se as mulheres têm ou não têm alma. Tal fato é apontado, em geral, como índice da absoluta harmonia reinante entre a Igreja e o espírito bárbaro, que se atribui ainda, em alguns círculos, à Idade Média.
Sempre julgamos absurda qualquer acusação baseada no fato acima referido.
Efetivamente, para qualquer pessoa imparcial, é evidente que a Igreja, que desde os primeiros séculos do Cristianismo colocou até sobre os altares a mulher, na pessoa da Virgem Santíssima, esta mesma Igreja de modo algum poderia negar a existência da alma na mulher.
Segundo a tradicional e antiqüíssima doutrina católica, a imortalidade é atributo apenas dos seres racionais, dotados de alma.
Para que se explicasse, pois, a imortalidade das numerosas Santas que, desde seus primeiros séculos, a Igreja venerou sobre os altares, seria necessário reconhecer-lhes uma alma imortal.
Já por aí se verifica, portanto, que é absolutamente improvável que tal discussão tenha sequer sido levantada em um Concílio.
Admitamos, porém, para argumentar, que tal se tenha dado. A infalibilidade dos Concílios não reside, evidentemente, nas opiniões expendidas por seus membros, no discutir e elucidar teses. Não são infalíveis os membros do Concílio, individualmente falando, e sim o Concílio coletivamente considerado. Só são portanto infalíveis as deliberações finais do Concílio.
Conclui-se daí que, ainda que tal tese tivesse sido discutida, uma vez que não tenha sido aceita (o que nenhum historiador nega), o Concílio não errou.
Vemos, pois, que um exame superficial do assunto já nos conduz à verificação de sua absoluta inocuidade em relação à doutrina católica.
Vamos, porém, diretamente aos fatos, que falarão mais eloqüentemente do que qualquer argumento que ainda invoquemos em benefício de nossa tese.
A referida discussão foi encontrada pelos historiadores sectários na obra de São Gregório de Tours (Livro VIII, cap. 20). Autorizará o trecho citado a afirmação dos historiadores anticatólicos?
Diz São Gregório, no texto mencionado: “Houve neste Concílio um bispo que dizia que a mulher não poderia ser chamada homem; mas ele se rendeu às razões dos outros bispos. O livro sagrado do Antigo Testamento, lhe disseram eles, ensina que quando Deus criou o homem, Ele os criou macho e fêmea e lhes deu o nome de Adão, isto é, homem da terra; e, sob este nome, entendia o homem e a mulher, aplicando a denominação de homem a um como a outro sexo. Do mesmo modo Nosso Senhor Jesus Cristo é chamado o Filho do Homem, para indicar que Ele nasceu de uma Virgem, isto é, de uma mulher à qual foi dito, quando Ele mudou a água em vinho: Mulher, o que há de comum entre tu e eu? Estes testemunhos, e ainda diversos outros, o convenceram e lhe fecharam a boca“.
Vemos aí o mal que produz a meia cultura. Algum historiador superficial leu rapidamente o texto de São Gregório, compreendeu-o mal, e comentou-o pessimamente.
São Gregório não afirma que se tenha discutido a natureza humana da mulher. Diz apenas que o bispo de que ele fala lançou dúvidas quanto à propriedade da palavra “homem”, para designar juntamente o homem e a mulher.
É este um dos muitos pontos em que mais uma vez se demonstra que o pior inimigo da Igreja Católica é a meia cultura. Esta, aliás, é necessário encerrar o artigo com esta consideração, é poderosamente secundada pelo sectarismo e pela superficialidade dos espíritos modernos, que julgam antes de ouvir as partes interessadas, e condenam sem conhecimento profundo do fato.
E ainda é em nome da razão que se procura atacar a Igreja!!!