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Ascensão das esquerdas: mera fantasmagoria — Parte I

Publicado na Folha de São Paulo, em 16 de janeiro de 1989

1. Há quarenta dias que não envio minha colaboração para a Folha de S. Paulo. Isso em virtude de um sentimento muito raro em mim: a hesitação. Não sou brusco em tomar deliberações. Pelo contrário, pondero-as detidamente, antes de optar por uma das alternativas em debate. Porém, antes de redigir o presente artigo, realmente hesitei. Mas, afinal, pronuncio-me, já agora persuadido de que o devo fazer.

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O tema de minha reflexão era o atual quadro político – o pesadelo político, seria preferível dizer – em que se encontra o País. Minha impressão a tal respeito é estranha. Ei-la.

Pura e simplesmente parece-me que um conjunto de circunstâncias vem criando, no ambiente político nacional, um perigo irrealtodo feito de coincidências estranhas e interpretações fantasmagóricas dos fatosMas um perigo que tem todas as possibilidades de constituir fator de êxito para os que o saibam manejar. Pois, em situações torvas e críticas como esta em que se encontra o País, as fantasmagorias podem impressionar mais do que a realidade. E tudo isto é altamente desestabilizador do que ainda há de firme em nossa situação sócio-política e socioeconômica.

Em outros termos, há muito vêm sendo desenvolvidos vigorosos esforços publicitários no sentido de criar no País a ilusão de que a massa da população é vítima de cruel penúria. Tal penúria causaria, nos campos como nas cidades, sintomas generalizados e inquietantes de revolta. Por sua vez, essa revolta estaria sendo “faturada” em exclusivo proveito das esquerdas, notadamente o PT, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e os PCs.

De toda esta situação, os grandes beneficiários seriam estes últimos, ou seja, o Partido Comunista Brasileiro e o Partido Comunista do Brasil. Pois qualquer revolta que cresce em efervescência, ipso facto se radicalizaE tende para os mais exacerbados extremos. Assim, a duração do atual descalabro econômico seria fator decisivo para o engrossamento das fileiras comunistas, ainda há pouco tão magras. Com efeito, nas eleições para a Constituinte, só seis deputados ostensivamente comunistas conseguiram fazer-se eleger – e, assim mesmo, em coligações dos PCs com o partido majoritário – não chegando a constituir senão uma minoria insignificante no mare magno de 559 deputados e senadores que integravam a Magna Assembleia. Três outros candidatos do PC do B, eleitos, só obtiveram êxito escondendo sua qualidade de comunistas atrás da sigla de determinado partido político.

Em consequência, a eleição destes deputados comunistas não pode ser tomada a sério, como prova de popularidade. Bem ao contrário, é prova da impopularidade do comunismo. As apreensões ante um eventual êxito dos PCs se desfazem, pois, como uma bolha de sabão.

Mas, graças à imensa fermentação publicitária acerca da miséria do povo, em uma próxima eleição, o comunismo teria probabilidade de êxito espantoso – fazem crer os profetas da desestabilização e do caos.

2. As recentes eleições municipais – notadamente a de São Paulo – deveriam ser, segundo o vozerio publicitário desses profetas, uma confirmação tonitruante do progresso das esquerdas. Tanto mais quanto a inflação se vem acentuando descabeladamente. E, quanto a mim, tenho dúvidas sobre a eficácia do novo pacote nesta matéria.

Toda essa visão de nosso passado recente e de nosso futuro próximo é de molde a projetar consequências profundas sobre o prélio de novembro deste ano, em que será eleito o novo Presidente da República.

Com efeito, nada faz esperar uma melhoria da situação econômica do País. E, em vista de tal, por piores que sejam nossas condições econômicas, é-se tentado a considerar um mal menor vagamente aceitável, que ela ainda continue tal e qual. Mas, mesmo assim, a manutenção do status quo aumentaria a revolta. E a consequente marcha das esquerdas para o comunismo. Desse modo se tornaria inviável, em qualquer caso, a vitória de um candidato que não fosse esquerdista.

Em consequência, há quem sussurre com insistência, nos meios burgueses, que, para estes, a agilidade política suprema consistiria tão-somente em escolher, dentre os candidatos esquerdistas, o que fosse menos radical. E, dado que a Mass-mídia vem apresentando como candidatos esquerdistas viáveis unicamente os da tríade Lula-Brizola-Covas, só restaria para a burguesia apoiar, dentre estes, o menos esquerdista. Charada difícil, em verdade, e sobretudo pouco prazenteira. Pois, em qualquer hipótese, a burguesia (não a qualifico de “centro” e ainda menos de “direita”, uma vez que a maior parte dela não tem ideologia, e quase toda ela se vai deixando dominar pelo oportunismo do pânico) acabará formando em um dos três grupos eleitorais de esquerda. E quem vencerá, será por força a esquerda.

No entanto, só uma coisa verdadeiramente importa ao Brasil: tomar conhecimento de que as esquerdas comunistas o vão tragando.

Saber, à vista disto, qual o esquerdista da tríade que esta estranha conglomeração do pânico burguês e do esquerdismo incumbirá, através do veredictum das urnas, de executar a degola do regime socioeconômico vigente, importa infinitamente menos.

3. Ora, esse pânico burguês, tão indispensável para o triunfo das esquerdas, me parece claramente induzido por um desses hábeis jogos de miragens publicitárias em que as esquerdas foram sempre mestras. E face às quais o centro vem sendo cego… como quase todas as direitas também.

Acabo de descrever este jogo de miragens. Fi-lo para melhor o denunciar. Nesta faina, nada direi das exatas dimensões da crise econômica. Pois sobre a matéria, meus conhecimentos não vão além dos de qualquer “homem da rua”. Com o bom senso – que ao mesmo tempo é a característica do “homem da rua” e a suprema defesa dele contra os exageros da mass-mídia – limito-me a registrar a impressão de algo de contraditório existente nestas pinturas surrealistas da miséria nacional.

Não compreendo, por exemplo, como o Brasil de 1987, embora já então nos estertores de sua pobreza crescentefoi promovido do oitavo para o sétimo lugar, na lista dos países de economia ascendente, segundo noticiou a imprensa (cfr. Folha de S. Paulo, 23-12-88).

Igualmente não compreendo como tal pobreza consegue coexistir com os êxodos populacionais maciços que lotam incontável número de aviões, de automóveis, de ônibus, de trens, quando se sucedem dois ou três feriados, e os brasileiros, mesmo tidos como dos mais pobres, rumam jubilosos para as praias, as montanhas ou outros locais do interior.

O mínimo dos mínimos que se me afigura, ante a contradição de tudo quanto se apalpa, se vê e se cheira, a todo momento, acerca da inflação, não se ajusta ao quadro festivo dos êxodos de que acabo de falar. Parece haver qualquer coisa de obviamente deformado nas descrições da pobreza que, na mídia ou nas conversações, se ouve. Nossa realidade é mais complexa e matizada do que a mostram essas descrições. Mas esses matizes e essas complexidades parecem obstinada e sistematicamente relegados ao silêncio.

Ora, amputar de seus matizes esse quadro é negar tacitamente a verdade: “la verité est dans les nuances“. A verdade está nos matizes, dizem acertadamente os franceses.

E, no caso concreto, esta degola sistemática dos matizes, a quem beneficia? Às esquerdas. Pois exagera a gravidade da situação, e leva ao pânico a porção não esquerdista da população, bem como à revolta a porção esquerdista. Com o que só a esquerda lucra. Em última análise, a extrema-esquerda…

No próximo artigo, o leitor poderá tomar conhecimento de expressivos dados concretos sobre toda esta temática.

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