Publicado na Folha de São Paulo, em 19 de Janeiro de 1989
Ainda mais concludentes do que o expressivo conjunto de conjecturas alinhadas em meu último artigo sobre a fantasmagoria em favor das esquerdas que agora se desenvolve à vista de todo o Brasil (cfr. Folha de S. Paulo, 16-1-89) são os dados concretos que, sobre a matéria, cabe mencionar e analisar no artigo de hoje.
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1. A partir do ano de 1986, a TFP infligiu rotundo desmentido à balela esquerdista ativa e até então vitoriosamente posta em circulação em todo território de nosso país-continente, de que hordas de trabalhadores rurais esfaimados percorriam o nosso interior, acompanhados dos respectivos familiares, à procura de trabalho e pão. Não o obtendo, elas invadiam pura e simplesmente os imóveis rurais que encontravam mais “de jeito”, e ali se instalavam em porções de terra não cultivadas, a fim de tirarem do chão desaproveitado, o indispensável para sua subsistência.
Bem entendido, ao fazendeiro nada lhe pagavam os esbulhadores, sob a alegação do princípio (aliás muito justo, mas erradamente aplicado ao caso), de que o homem operoso mas carente de dinheiro para comprar pão, pode pegar (sem pagamento) o pão onde o encontre, pois o direito dele à vida prevalece sobre o direito do proprietário sobre seu pão.
Mas seriam mesmo carentes de pão os componentes dessas hordas, que a polícia como que jamais reprimia, e que vigários e até certos bispos insuflavam com veemência? Ou esses pretensos pobres eram desordeiros, contratados, conduzidos e mantidos na perambulação vagabunda e agressiva através das estradas, insuflados e liderados, na hora da ocupação, por agentes desconhecidos?
A observação atenta do noticiário conduziu-nos, aos da TFP, à firme convicção de que esta última hipótese, se serenamente analisada, continha a verdade.
Uma razão nos levou a tal. Se essas hordas fossem de autênticos agricultores sem pão, constituíam sintoma agudo de um estado de miséria e revolta que, em grau maior ou menor, existiria então nas lavouras de todo o País. E, se assim fosse, a irrupção das ditas hordas, nas fazendas que ocupavam, contaria desde logo com a solidariedade dos trabalhadores rurais radicados no imóvel invadido. Uns e outros se mancomunariam para dividir entre si a fazenda invadida, e enxotar da fazenda o proprietário mau pagador e desalmado.
Ora, das incontáveis notícias que lemos na imprensa das macro-cidades, como na dos centros populacionais médios ou pequenos, não encontramos qualquer alusão a ocorrências assim. Em nenhum lugar os trabalhadores de uma fazenda se revoltavam contra os donos destas. E vinham sempre de fora os “famintos” das hordas invasoras, extrínsecos à relação patrão-trabalhador, como esta existia pacificamente no local invadido.
Importava, pois, atalhar essas espoliações generalizadas, para evitar que uma reforma agrária de facto, baseada no mito de uma miséria negra que não existia, viesse a tomar conta ilegalmente do Brasil.
Para este efeito – desajudada de apoio policial a grande maioria dos proprietários rurais – competia aos próprios fazendeiros resistir à bala contra a invasão dos inautênticos “miseráveis”.
Para certificá-los inteiramente desse direito, a TFP teve em mãos os pareceres valiosos de dois grandes jurisconsultos brasileiros, o Prof. Silvio Rodrigues e o Prof. Orlando Gomes, respectivamente catedráticos das Faculdades de Direito das Universidades de São Paulo e da Bahia. Ambos esses pareceres demonstravam insofismavelmente tal direito, com a erudição e a força de argumentação dos respectivos autores.
A TFP se incumbiu, então, de divulgar esses pareceres por todo o território nacional. O que foi feito em uma heroica revoada de sócios e cooperadores, e o apoio dos correspondentes que temos em centenas de localidades.
O resultado? Parou a revolta, emudeceu o vozerio dos “famintos”, as hordas sumiram do mapa. E nas fazendas, em cuja muito grande maioria os trabalhadores viviam satisfeitos, em concórdia com os fazendeiros, voltou a reinar a paz.
Com exceção de um local ou outro, em que algo da antiga zoeira parece ter renascido, o Brasil agrícola está tranquilo.
Tratava-se de um quadro artificial e dramático a mais, sobre a situação dos trabalhadores do campo, todo feito para apresentar como justa uma reforma que a realidade dos fatos qualificava como claramente injusta.
2. O mesmo se deu agora recentemente, com as eleições municipais. Não disponho de tempo para analisar os resultados de todos os pleitos realizados nos 4307 municípios da Federação brasileira.
Considere-se simplesmente a mais ribombante destas eleições, isto é, as desta nossa São Paulo, a cidade mais populosa do País, na qual a eleição de uma Prefeita carregadamente petista produziu em todo Brasil o ribombo de um triunfo eleitoral das esquerdas. Triunfo, este, no qual incontáveis brasileiros se puseram a ver o primeiro passo de uma ascensão incontenível das massas populares indigentes, sugadas, por meio da espiral ideológica do petismo, para as plagas ideológicas de perdição do comunismo. Foi a toda esta mise en scène que Da. Erundina, até há pouco figura de algum relevo nas Comunidades Eclesiais de Base e em certos ambientes do PT, passou a ter, de um momento para outro, celebridade nacional.
Examinemos os dados oficiais sobre a eleição: a) Da. Erundina foi a candidata mais votada por ter alcançado 1.534.547 votos; b) o número de eleitores inscritos era de 5.528.404; c) logo, a nova Prefeita foi eleita por pouco mais de um quarto (27,76%) dos eleitores d) os outros três quartos (descontadas as abstenções, votos em branco ou nulos) se dividiram por outras legendas, de expressão ideológica mais definida ou menos, mas cuja votação certamente não representava colorido ideológico tão carregado quanto o da Prefeita Erundina; e) ademais, todos sabemos que, no Brasil, o peso eleitoral das posições ideológicas deixou de ter significação a partir do momento em que a Constituição republicana de 1891 proibiu expressamente a formação de correntes ou partidos monárquicos, e as formações partidárias republicanas, na época ideologicamente homogêneas, passaram a se dividir apenas segundo os critérios pessoais do coronelismo e do cabresto então vigentes.
De lá para cá, a eleição por mera simpatia pessoal se tornou um vício político nacional, a tal ponto que, em nossos dias, as fotos dos candidatos passaram a ser, em grande número de casos, os únicos argumentos com que se recomendam os respectivos eleitores.
A indiferença ideológica do próprio Movimento dos Sem-Terra, reconheceu-a amarguradamente o bispo D. Angélico Sândalo Bernardino, da Zona Leste de São Paulo, em pregação reproduzida pelo “Jornal do Brasil” (18-5-88): “Nunca assisti a uma apatia do povo tão grande como agora. (…) Eu sempre fui contra a hegemonia dos homens de Igreja nos movimentos populares, que devem ser dirigidos por suas próprias lideranças, respeitando a pluralidade. Mas, hoje, se a Igreja sai, o movimento acaba“.
Não creio, ninguém de bom senso pode crer, que na massa popular em que a pregação de um bispo de inegáveis dotes demagógicos produziu tão escasso resultado, a pregação ideológica dos agentes de Lula tenha conseguido resultado melhor.
Qual, então, o verdadeiro significado ideológico da vitória eleitoral do PT e de Da. Erundina? Para dizer pouco, tal resultado é perfeitamente ambíguo.
Mas o mito posto em circulação foi outro: o de um triunfo da esquerda, sintomático para o Brasil inteiro. E lá vai este mito modelando perigosamente o resultado das eleições presidenciais de novembro deste ano.
3. É estranho que tudo isto assim seja, para única e exclusiva vantagem do petismo e das esquerdas em geral. Mas pergunto aos leitores se não é exatamente assim que as coisas vêm se passando, e correm o risco de se passar cada vez mais acentuadamente, caso novas vozes não façam eco à minha, através da mass-mídia.