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América Latina

O Bom Selvagem de ontem e de Hoje Capítulo II

Teoria Política revolucionária e suas origens na idealização dos índios tropicais

Ensaio sobre o impacto do índio sul americano na teoria política revolucionária. Com foco na idealização do nativo tupiniquim e as suas conexões na origem mítico cientifica da tríade revolucionária moderna: o Iluminismo , o Positivismo e o Marxismo.

A Teoria Revolucionária – Ambiguidade proposital, mapas astrais e crítica do real com base em modelos ideais de civilização do Éden tropical  

´Os homens amam muitas coisas que as não há no mundo: amam as coisas como as imagina; e as coisas como eles a imaginam, havê-lá-á na imaginação, mas no mundo não as há. Pelo contrário, Cristo amou os homens como verdadeiramente eram no mundo, e não como enganosamente podiam ser na imaginação: Cum dilexisset suos, qui erant in mundo. Não amou Cristo os seus, como vós amais os vossos. Vós amai-los como são na vossa imaginação, e não como são no mundo. No mundo são ingratos, na vossa imaginação são agradecidos: no mundo são traidores, na vossa imaginação são leais:no mundo são inimigos, na vossa imaginação são amigos. E amar ao inimigo, cuidando que é amigo, e ao traidor, cuidando que é leal, e ao ingrato, cuidando que é agradecido, não é finesa, é ignorância. ´ Padre Antônio Vieira – Sermão do Mandato – 1645

Para entender a apropriação da figura do índio brasileiro como exemplo de ´uma sociedade melhor´ pelos pensadores da revolução é meu dever, primeiramente, tentar definir o que seria o termo revolução. Segundo o historiador Richard Pipes, ´ “Revolução´ ´deriva do latim revolvere – ´revolver, girar´ – originalmente associado ao movimento dos planetas, o grande tratado de Copérnico, que deslocava a terra do centro do universo, intitulou-se ´Sobre a Revolução dos Corpos Celestes (1530). Da astronomia, o verbo passou ao vocabulário dos astrólogos, que reivindicavam a habilidade de predizer o futuro a partir do estudo do céu. No século XVI, a serviço de príncipes e generais, eles se referiam a revolução para designar eventos abruptos e imprevistos, determinados pela conjunção dos planetas – ou seja, por forças situadas fora do alcance humano. Desta forma, de um significado científico, concedendo regularidade e repetição, ao relacionar-se com às questões sociais o termo passou a indicar o oposto, principalmente o repentino e o imprevisível. `[1]

O fenômeno da revolução como um dado exotérico remete as grandes heresias do início do cristianismo, precede o advento da ciência moderna e até mesmo da política liberal burguesa. para não irmos longe, lá na corte da rainha Elisabeth I da Inglaterra 1558-1603 (época de Tomé de Souza e de Nóbrega em Terras de Santa Cruz) o seu conselheiro para assuntos de ciência e magia, John Dee, acreditava ser possível calcular com exatidão pelos conhecimentos acumulados a data exata da chegada do juízo final… Antes mesmo do termo incorporar-se ao jargão político com a autointitulada ´Revolução Gloriosa`(Inglaterra,1688), havia nele nitidamente o sentido de retorno, a noção de volta a um ponto ideal na história; uma regressão temporal a um tempo idílico em uma sociedade aonde a fartura de recursos da fauna e da flora e a falta de intempéries climáticas possibilitaria o retorno ao próprio Jardim Do Éden. E, mesmo com a aparente laicização de tais conceitos, a ideia foi amplamente explorada, chegando ao ponto de descartar a figura do Criador deixando o Jardim sagrado como se obra humana fosse. Invertendo e, depois com as experiências revolucionárias reais, anulando e incorporando de forma totalitária todo o carater transcendente da vida humana.  Fato, aliás, que é um dos cernes da fábula política revolucionária, o mito de uma sociedade que têm à mão todas suas necessidades materiais garantidas e que, consequentemente, pela lógica revolucionária de uma inclinação natural do ser humano à bondade, levaria os seus cidadãos a uma vida sem conflito, sem violência e, portanto, sem necessidade, de um Estado para gerir e proteger, vigiar e punir. Tal pretensão de um `Mundo como ideia´, em contraposição com à realidade do mundo como dado do real, subverte a posição do intelectual como estudioso da realidade e inaugura a figura do Intelectual que pode analisar, julgar e condenar a obra de Deus.  

O jurista alemão Carl Schmitt dizia que antes da Revolução Francesa de 1789 a maioria das revoltas e rebeliões tinham como objetivo o retorno a um equilíbrio social perdido, um acordo ou convenção tradicional rompida que deveria ser restaurada, ainda segundo ele após a queda da Bastilha tais fúrias e indignações foram canalisadas pleiteando a criação de um novo equilíbrio. Richard Pipes coaduna tal percepção :`A primeira revolução moderna ocorreu na França. Em sua fase inicial, ela foi amplamente espontânea e inconsciente: em junho de 1789, quando os representantes dos três estados juraram o Tennis Court Oath , ato de desafio que deu partida à revolução, o que se tinha em vista era uma `regeneração nacional´. Ocorre que a liderança rebelde passou às mãos de ideólogos que viam no colapso da monarquia uma oportunidade única para realizar os ideais do iluminismo – algo muito além do escopo político limitado das revoluções inglesa e americana, aspirando nada menos que a criação de uma nova ordem social e, mesmo, uma nova espécie de seres humanos. No poder os jacobinos imaginaram e colocaram em prática medidas que pela sua ousadia de concepção e brutalidade de execução antecipariam o regime comunista da Rússia. Daí em diante, “Revolução“ aludiu a planos grandiosos de transformação do mundo – não mais a mudanças que aconteciam, mas a mudanças que eram realizadas. 

Neste contexto a figura do teórico revolucionário baseia-se na ideia de uma previsibilidade, uma dinâmica na história que seria não só inteligível como maleável ás vontades de quem a decodifica. No caso de Karl Marx, que tinha a revolução francesa como modelo e inspiração, ele acredita não só ser capaz de prever, como também de ser o juízo final. Julgando os bons e maus, separando os pios dos ímpios e instaurando o céu na terra para uma seleta minoria e o purgatório para o resto. Na sua décima terceira tese contra Fuerbach, Karl Marx resume sua posição ´ Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo. Tal atitude que alude a uma história cognoscível e maleável e, paradoxalmente a uma certeza ´científica´ de movimentos progressivos de uma dinâmica temporal determinista de etapas civilizacionais pré dadas; perpassa não só o Marxismo, mas também os seus predecessores intelectuais, o Iluminismo, o historicismo e, consequentemente, o Positivismo.

E voltando ao nativo não vejo resumo melhor que o de Afonso Arinos de Mello Franco na obra de 1936 que ainda é referência sobre o tema. Segue ele:

‘Com efeito, o clima tropical fazia com que essas tribos levassem uma vida que muito se aproximava daquele que os filósofos achavam própria do estado de natureza. ´… `Na selva tropical era a “eterna primavera“ de que tanto falaram os primeiros cronistas. Clima de sonho, com as frutas e raízes comestíveis se oferecendo em qualquer tempo, com árvores sempre cobertas de flores e de pomos. ´…. ´Neste clima sempre cálido, cercado de uma selva sempre verde, o homem parecia aos olhos do europeu um ente despreocupado, ocioso, livre e, o que tinha importância capital, completamente nu. Não precisava, como os bárbaros de outras latitudes, fazer reservas para o inverno, nem cobrir o corpo com peles de animais, coisas que já faziam supor previdência, organização e uma polícia rudimentar. Aqui não era, de fato, o filho primitivo da natureza que surgia. Os homens e as mulheres exibiam candidamente, como Adão e Eva antes do pecado, os corpos bem constituídos e proporcionados.´…´É que a perfeição das formas do corpo representava uma presunção de inocência da alma.’

‘O mito da bondade natural começa, portanto, desde cedo a se formar. O fato dos selvagens andarem despidos implica a certeza do estado de inocência em que se achavam. Desfrutavam o estado bíblico, ´´o homem e sua mulher estavam nus e não sentiam vergonha“. É toda milenaria poesia do Velho Testamento que os navegantes atónitos procuravam reconstituir. Aqueles pobres selvagens não tinham, ainda, comido o fruto envenenado do conhecimento do bem e do mal´…´Aqui era o Éden, com a sua pureza. As serpentes, embora numerosas, não tinham conseguido seduzi as Evas caboclas. Talvez porque não fossem pérfidas como sua parenta das Escrituras, ou talvez porque aqui as mulheres não fossem novidadeiras e curiosas como a nossa mãe comum. Aliás a falta de curiosidade do selvagem é ponto muito explorado pelos filósofos da Bondade natural.’

No Brasil, o primeiro movimento vitorioso no campo político veio com o golpe de 15 de novembro de 1889, seus teóricos reportavam à tradição política positivista e tentaram burocratizar o espírito revolucionário na república que então nascia utilizando tacitamente a sugestão de um impávido colosso de cargos com as benesses de um berço esplêndido de recursos, militares e bacharéis em conspiração impuseram ao país uma mudança no centro da realidade política. Coisa, aliás, que não acontece da noite para o dia e nem de forma proporcional, harmoniosa e democrática entre os diversos habitantes de uma sociedade tropical continental, monárquica e ibero católica continental em que a aristocracia conviveu com uma modelo escravocrata por mais de 300 anos[1] . O germe filosófico já estava em interpretações heréticas do século XVI, a tomada de espaços, mentes e corações pelos anseios e urgências de uma ciência prática em contraposição a uma tradição filosófica baseada em alfarrábios em grego e latim já era o mote da reforma pombalina de 1772. Os filhos espúrios de Montaigne, Descartes, Rousseau, Voltaire, Diderot ocupavam às cátedras das principais instituições de ensino do Império brasileiro e gerações formadas em Recife e no Largo São Francisco em SP desde 1827[2] sob o signo da fé nas doutrinas vindas da Europa que, burguesamente e convenientemente, trocava a Cruz de Cristo pelo relógio de corda e a máquina a vapor. Não é coincidência que a Faculdade de São Paulo, inaugurada em 1934, com o propósito de ser a Sorbonne do Tietê, tenha moldado a sua linha didática no Positivismo estruturalista genuinamente laico e francês. E menos coincidência ainda que a figura estereotipada do selvagem esteja no cerne da justificativa revolucionária e seja objeto de análise de todos os importantes intelectuais revolucionários Iluministas, coisa que irá refletir-se também no positivismo.

Segundo um recente estudo de Kury e Fedi [3]:

´É provável que a adoção do positivismo tenha sido relevante para que Rondon adquirisse essa centralidade na esfera pública nacional, pois alguns ideais herdados de Augusto Comte podem de algum modo ser reconhecidos em diversas esferas da ação civil e militar do Estado Brasileiro, principalmente na primeira metade do século XX. Parte do léxico e dos princípios comteanos estava presente em uma espécie de língua, compartilhada por setores da elite intelectual, científica e política brasileira . ´[4]…´A  vinculação aos preceitos da fase ´´religiosa´´ da doutrina de Augusto Comte – transformado e adaptados à situação brasileira – identificava homens tão diferentes como o próprio Rondon, Edgar Roquette-Pinto, Mário Carneiro e os mais antigos, Miguel Lemos, Teixeira Mendes e Benjamin Comstant.´[5]…´O positivismo se espraiou não apenas nas ações de Estado relativas aos índios, mas também na área científica e técnica, e pode ser identificado, por exemplo, na política agrícola do Ministério da Agricultura, Industria e Comércio, na divulgação científica em jornais e rádios, no fomento à atividade científica de forma geral, inclusive na criação do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq em 1951, cujo primeiro presidente, o militar e cientista Álvaro Alberto da Mota e Silva, era próximo do positivismo. O próprio Getúlio Vargas tivera formação positivista e em certa medida aplicou certos preceitos da doutrina, principalmente no que diz respeito à incorporação de trabalhadores à nação, sob tutela do Estado. ´[6]

Otto Maria Carpeaux já dizia que: ´É significativo o fato de que a emancipação definitiva dos índios foi realizada por Pombal, o aburguesador. O problema já tinha perdido a importância económica. No ambiente da economia liberal, só ficou, para os índios, uma espécie de esmola caritativa: o Serviço de Proteção aos Índios. ´….´os índios foram objeto de uma ilusão jurídica que se transformou em ideal político. Mas acabaram sujeitos a uma ilusão administrativa. ´[7] O Marquês Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), foi figura central na imposição de um modelo Iluminista para Portugal ,sempre reverenciado pelos teóricos revolucionários tupiniquins além de Aburguesador era um modelo de burocrata revolucionário.  Primeiro ministro de D. José I (1714-1777) , defensor de um ´despotismo esclarecido´ , suas reformas educacionais visavam produzir uma nova elite lusitana. Em 1759 baniu o Ratio Studiorum nas cátedras assim como, por meio de um decreto, expulsa os padres da Companhia de Jesus de Portugal e em todo território ultramarino, incitando uma frente diplomática que culminará no fechamento da ordem em 1773. Ficando assim o Estado Português com o monopólio da questão indígena.

De ´bom selvagem´ iluminista para o nativo que precisa ser resguardado dos positivistas, tal conceito invade também a biologia e vai dar embasamento ao racismo (pseudo) cientifico de Gobineau, Houston Stewart Chamberlain, etc ; e , finalmente, não deixa de ser também, na visão determinista e dialética de Karl Marx um precursor do proletário, que assim como o nativo que era alienado por uma natureza selvagem é , nesta fase estanque da história, alienado e explorado por um ´capitalismo selvagem´.

Continua…

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