“Vamos voltar a ser muito parecidos com o que éramos antes, um País feio e desonesto que dá os incentivos errados e extrai o pior das pessoas.” (1)
(Ministro Barroso, Ministro Barroso, o que te levou a tão abrupta mudança de entendimento daquilo que vem a ser o Direito?)
Bem, vamos ao artigo propriamente dito. Antes de qualquer coisa, observado que minha função nessa vida é procurar (na medida do possível) discutir os problemas que nos afligem sob a ótica da Ciência do Direito, peço ao leitor que se dispe de qualquer ideologia/convicção político-ideológico-partidária e encare o assunto com a gravidade que ele merece.
Tentarei fazer o mesmo, embora que a situação tem se tornado cada vez mais grave, mormente para nós, conservadores.
Pouco importa, para a discussão sobre a necessidade do voto impresso, se o leitor é Cirista, Lulista, Bolsonarista ou Amoedista. Isso é absolutamente irrelevante, ok.
Importa aqui dizermos que o sistema, em si, é falho, comprovadamente. Aliás, antes de entrarmos em considerações jurídicas, amigos, se alguns de vocês ainda se encontram predispostos a analisar o Direito de acordo com a conveniência político-ideológica, apresento-lhes um preocupante dado.
Caso Bolsonaro seja eleito, novamente, Presidente da República em 2022, ele indicará mais dois Ministros ao STF, além das nomeações às Cortes Federais e outros Tribunais Superiores. Importa dizer, deveria ser de interesse de toda a sociedade, mormente da Comunidade Jurídica, preocupar-se com um sistema eleitoral que pudesse ser auditado.
(Infelizmente, cada vez mais sinto vergonha pela postura omissa dos meus Colegas de Academia, principalmente aqueles que não são de esquerda. Juristas que, para não ficar em maus lençóis com a patota marxista, preferem manter-se omissos.
Sinceramente, amigos, eu consigo quase respeitar o sujeito filiado ao PSOL que diz que quer tomar a eleição na mão grande. Agora, infelizmente, cada dia tenho mais…, como poderia definir um sentimento que oscila entre o nojo e a comiseração (?), chamarei de nojimeração. Então, cada dia mais tenho nojimeração pelos omissos.)
Voltamos ao voto impresso. Essa preocupação deveria ser ambidestra!
Vamos à questão da estatística. Em primeiro lugar, temos que ressaltar que argumento estatístico não é enfeite processual. Estatística é, sim, elemento probatório.
Por exemplo, o famoso e corriqueiro teste de DNA para aferição de paternidade nada mais é do que uma prova estatística. O exame não diz de forma cabal, indene de quaisquer dúvidas, que A é pai de B. O que o exame diz, ao contrário, é que existe uma possibilidade de 99,999% de que A seja pai de B.
Então, o exame de DNA diz, de forma cabal, para além de qualquer dúvida razoável (2), que é extremamente provável (talvez algo como você jogar um dado, não viciado, mais de 100 vezes e, em todas elas, aparecer o número “5”) que A é pai de B.
Posta a coisa desta forma, temos que a principal evidência estatística da [imensa, quiçá gritante] probabilidade de fraude nas eleições aconteceu na disputa eleitoral, para o Primeiro Turno, na eleição para Prefeito da Cidade de São Paulo no ano de 2.020.
Numa cidade com 12.000.000 de a distância percentual entre os oito primeiros colocados manteve-se inalterada a partir da apuração de 0,39% das urnas eleitorais.
Alguns fariam uma analogia com uma corrida de Fórmula 1 onde a distância em segundos entre os competidores permanecesse inalterada, do começo ao fim da corrida.
Com respeito, essa analogia parece-me insuficiente. Se usarmos o automobilismo para comparar, o ideal seria utilizarmos provas de endurance (resistência), como as 24horas de Le Mans, onde após um dia de corrida, as distâncias em segundos entre os contendores fosse igual à da primeira volta.
Impossível não é, mas é estatisticamente improvável; da mesma forma que o é alguém ganhar 50 vezes na Mega Sena.
Explicaremos em números: imaginemos que a possibilidade (principalmente numa cidade que tem a gigantesca população e diversidade de São Paulo) que a probabilidade do 1º colocado na eleição para o 2º se mantenha inalterada do momento 0,39% das urnas apuradas até o fim, seja de 5% (3). Atribua essa mesma possibilidade do 2º para o 3º e assim, sucessivamente até o 8º colocado.
Bem, neste exemplo (lembrando que estamos sendo generosos com os números) temos a possibilidade de: 1/20^8 = 1/25.600.000.000. Isso mesmo, Colegas, atribuindo o generosíssimo fator 5% para cada evento, a probabilidade do resultado da eleição para o primeiro turno nas eleições municipais de São Paulo de 2020 deveria acontecer uma vez em cada vinte e cinco bilhões e seiscentos milhões de vezes.
Com efeito, essa é uma probabilidade infinitamente pequena.
Apenas esse dado deveria nos servir como alerta para a óbvia insegurança das urnas eletrônicas e justificar, outrossim, o suporte do voto impresso auditável.
Nesse diapasão, o que nos deixa atônito, é que o próprio Ministro Luís Roberto Barroso reconhece o valor da prova estatística a ser levado em consideração pelo Jurista e/ou Magistrado quando da elaboração de seus pareceres.
No Habeas Corpus 152.752 que discutia a possibilidade, ou não, da prisão em Segunda Instância (4), o Ministro Barroso, àquele julgamento, usa, dentre outros argumentos a questão estatística como forma a justificar a possibilidade da prisão a partir do julgamento em Segundo Grau de Jurisdição.
O trecho abaixo não é uma criação intelectual deste que vos escreve, mas é extraído do voto do Ministro Barroso (página 181, para ser preciso) daquele acórdão:
“Quando se vai a examinar o percentual de absolvições dessas decisões em favor do réu, elas são de zero 0,035%. Vale dizer, naquele período, em mais de vinte e cinco mil recursos extraordinários, houve somente nove casos de absolvição.” (5)
Àquele processo, o Ministro em questão diz que era razoável a prisão – a partir da condenação em segunda instância – vez que apenas 9 em cada vinte e cinco mil recursos resultariam na absolvição do acusado.
Ora, se uma probabilidade de 9 para 25.000 é suficiente para influir num julgamento, por que então uma de 1 para 25,6 x 10^6 não o seria?
Embora o Ministro Barroso não tenha dito exatamente essa frase em seu, magistral, voto naquele HC, cabe aqui citarmos um brocardo jurídico que sintetiza todo o seu voto: “ao Juiz não é dado desconhecer os fatos da vida”.
Com efeito, a vida em sociedade não pode ficar à mercê da Ciência do Direito, da mesma forma que 9/25.000 é um número que justifica, razoavelmente, ao nosso ver (e também para o Ministro Luís Roberto Barroso) a prisão em segunda instância; temos, também, que 1/25,6bilhões justificariam que nosso pleito eleitoral fosse o mais auditável possível.
Esse artigo, longe de encerrar o debate, procura trazer alguma luz sobre o mesmo, apontando, inclusive, inconsistências no pensamento do Ministro Barroso, hoje o maior detrator do voto impresso, em relação a alguns outros relevantíssimos debates jurídicos, no âmbito do STF, que tiveram a sua participação.
Mais uma vez, por fim, peço, apenas, não que concordem com esse o artigo – necessariamente –, mas que o leiam e interpretem sem grilhões ideológicos.
Notas do autor:
Com todo respeito aos deputados que propuseram a PEC, sinceramente, não consigo entender por que a lei do voto impresso fora proposta em formato de projeto de emenda constitucional.
Sim, eu sei que a ideia de fundo por trás desse formato seria que o STF teria maiores dificuldades jurídico-acadêmico-institucionais para declará-la inconstitucional. Ledo engano, amigos. Faz muito tempo que nossa Corte Suprema atravessou, de forma irreversível, a fronteira da legalidade.
Se fosse para decretar a inconstitucionalidade da norma, ela seria decretada tanto no formato de lei ordinária, quanto no formato de PEC. O problema é que se a PEC 135 houvesse sido proposta em forma de projeto de lei ordinária ela já teria sido aprovada.
Bem, não adianta agora discutirmos o que não foi feito, ou o que foi feito de forma errada. O momento é o de “lamber as feridas” e pensarmos em estratégias para 2.022.
Notas de fim:
(1)Recorte do voto do Ministro Luís Roberto Barroso no Habeas Corpus 152.752, pg. 173, que tinha por objeto a discussão da possibilidade, ou não, da prisão a partir da condenação em segundo grau de jurisdição.
(2) Esta expressão é de suma importância à intelecção deste texto.
(3) 5% é um valor generoso para este tipo de evento, correto. Qualquer estatístico diria que essa probabilidade é muito menor.
(4) Cujo paciente era o ex-Presidente Luiz Inacio Lula da Silva.
(5) a propósito, em minha Dissertação de Mestrado, defendida – exitosamente – na Universidade Autónoma de Lisboa, cujo título é: ELIMINAÇÃO DO EFEITO SUSPENSIVO NOS RECURSOS DE APELAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO. ANÁLISE À LUZ DO ART. 356 DO CPC/15 E DO PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO, NOTAS AO SISTEMA PORTUGUÊS, abrimos um capítulo dedicado ao voto do Ministro Luís Roberto Barroso no Habeas Corpus em questão.
Ótimas considerações