Há poucos dias presenciamos o triste caso de um assassinato de um bebê de sete meses no ventre de sua mãe. Por conta da ausência de informações concretas por parte de um site de notícias progressista, inúmeras pessoas se manifestaram favoráveis ao procedimento de aborto, alegando que “uma menina de 11 anos não teria condições de parir uma criança”. Apenas seres não-pensantes chegaram à conclusão de que um aborto seria menos traumático que um parto cesáreo.

Porém, não tratarei do caso em si nas linhas que se seguem, porque penso que o público para o qual é direcionado é contra o procedimento, então seria o popular “chover no molhado”. Mas discorrerei sobre algo dentro do episódio que me chamou a atenção: a quantidade imensa de pessoas que se autodeclaram “conservadoras” e “pró-vida” que alegou ser a favor da morte do bebê “neste caso”. Para ilustrar isso, trarei um exemplo público.

O caso da menina grávida foi tratado como estupro, já que o site progressista não revelou quem era o suposto agressor, tampouco sua idade. Então, uma comentarista de um programa de televisão (cujo nome me reservo no direito de não relatar) disse:

“Cabe à juíza cumprir o que tá na Constituição. Se a mãe dessa criança acha que o melhor para a filha é abortar – e é o que a grande maioria das pessoas acha – cabe à juíza cumprir o que tá na lei. Tá lá: garante que a pessoa que sofre abuso escolher se quer ou não continuar com esta gestação. Agora, já está avançado. E cabe agora aos médicos, e não a essa juíza, ver o que é melhor para essa criança.”

Em primeiro lugar, não há aborto legal no Brasil; o que existe são casos de exceção previstos no Código Penal, Artigo 128, em vigor desde 1940. E embora a permissão para o aborto em caso de estupro esteja prevista, a norma técnica do Ministério da Saúde determina que este procedimento deve ser feito com até 20 semanas de gestação. Porém, independente da circunstância, o aborto não deixa de ser um assassinato.

Embora a pessoa que exprimiu tamanho absurdo não seja de nacionalidade brasileira, este é um problema que assola a mentalidade da sociedade nesta Terra de Vera Cruz: se está na lei, é moral e correto; logo, não pode ser contestado.

Não devemos esquecer de que os grandes regimes ditatoriais não fizeram uso da força somente, mas estiveram sempre amparados na lei regida por eles próprios. Na revolução cubana, por exemplo, homens foram proibidos de deixar os cabelos compridos, a música rock não pôde mais ser executada nas rádios e todos os produtores foram obrigados a vender sua produção para o Estado. No regime nazista, a lei proibia alemães de realizarem negócios com judeus. Com estes poucos, mas importantes exemplos, vemos que nem toda lei é moral.

Para analisar isso de forma mais embasada, recorri à obra “A Lei”, de Frederic Bastiat (que li em seis horas para escrever este artigo, um recorde) e pude compreender melhor como a tal comentarista está equivocada ao invocar o clássico “tá na lei, é pra ser cumprido”.

Bastiat inicia sua obra citando que a vida é um dom de Deus, e explica que somente através da vida o homem pode exercer suas faculdades, que ele enumera como individualidade, liberdade e propriedade:

“Esses três dons de Deus, a despeito da astúcia dos demagogos, são anteriores e superiores a toda legislação humana.”

Ao iniciar sua análise sobre a lei, ele diz:

“É a organização coletiva do direito individual de legítima defesa.”

Para Bastiat, a lei não deveria existir se não fosse para proteger única e exclusivamente as três faculdades descritas por ele. E quando ela não exerce este papel, serve apenas como instrumento de espoliação.

Como que uma lei que permite aborto pode proteger o direito individual, se ela rouba a vida?

Em resumo: quando a lei não protege seu direito natural, ela rouba o que lhe pertence. O autor explica que essa espoliação se dá através de duas vias: a cobiça e a falsa filantropia.

E quais são os resultados desta espoliação legal? Bastiat explica:

“Em primeiro lugar, apaga da consciência de todos a distinção entre justiça e injustiça (…)Quando a lei e a moralidade se contradizem, o cidadão tem a alternativa cruel de perder seu senso moral ou seu respeito pela lei, dois males de igual importância dentre os quais é difícil escolher.”

Percebam como foi exatamente isso que aconteceu neste caso da menina de 11 anos: a maioria daqueles que se denominam pró-vida se perderam no texto frio da lei e deixaram que a moralidade escorresse por entre os dedos, mostrando que foram corrompidos pelos legisladores.

Este comportamento confirma o que escreveu Bastiat:

“Assim, para que a espoliação pareça justa e sagrada a muitas consciências, basta que a lei a sancione.”

O autor explica o óbvio: muitas vezes o que é legal, no sentido jurídico, não é correto nem moral:

“Às vezes, ela (a lei) protege a espoliação e participa dela, poupando a seus beneficiários a vergonha, o perigo e os escrúpulos que seus atos envolveriam de outra forma.”

E por que isso acontece?

“Assim, dado que todas as outras pessoas usam a lei em benefício próprio, também desejamos fazê-lo. Exigimos da lei o direito à assistência social, que é a espoliação do pobre.” (Auguste Pierre Rémi Mimerel, industrial e político francês, opositor do livre-comércio)

Ou seja: os legisladores, em sua maioria, não trabalham em prol da defesa das três faculdades citadas por Bastiat, mas para promover aquilo que lhe apraz.

“… o socialista, para moldar a sociedade, precisa de forças que só pode encontrar nas leis”

Isso acontece porque o socialista crê piamente que a sociedade é uma espécie de material bruto que pode perfeitamente ser utilizado para experimentos sociais. Então, se utilizam da lei, que é força, para concretizarem suas ideias nefastas. Rousseau, por exemplo, pensava:

“Aquele que ousa empreender a tarefa de dar instituições a um povo deve se sentir em condições de mudar, por assim dizer, a natureza humana.”

É por isso que nem toda lei é justa, moral e deve ser defendida, como fez a tal comentarista. Leis como esta que cria exceções para o aborto, espoliam, roubam o que há de mais sagrado – a vida – e impedem que as demais faculdades sejam concretizadas.

O que me deixa profundamente irritada é o fato de pessoas, que têm o privilégio de estar diante de um vasto público, podendo influenciar os telespectadores de forma positiva, estarem difundindo ideias socialistas, do tipo “tá na lei, é inquestionável”. Porém, isso também mostra que, em quatro anos de um governo conservador, o grupo que se declara “direita” não é nada menos que um grande amontoado de pessoas sem um norte, sem valores estabelecidos, que faz com que defendam leis imorais.

Uma das frases finais de Bastiat nesta obra exemplifica qual deveria ser o papel da lei, e como deveriam pensar, tanto legisladores como aqueles que dizem defender o dom de Deus que possibilita os demais – a vida:

“A lei é, pois, unicamente a organização do direito individual pré-existente de legítima defesa. A lei é a justiça.”