Publicado originalmente em “O Legionário”, N.º 74, 8 de fevereiro de 1931
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Pilatos passou à História, indelevelmente marcado pelo ferro em brasa da censura dos Evangelistas, como o tipo característico do homem que não é cruel por medo da crueldade, não é assassino por indolência, e não é feroz por inércia. Escravo da preguiça e do medo, cede a todas as infâmias, submete-se a todas as baixezas, pela força de inércia que é como que a base de sua mentalidade. E a mesma indolência que o preserva dos acessos coléricos de um Nero, atira-o às traições vis de um Judas, ou às transigências abomináveis de um ser indigno do nome de homem, de uma alma indigna da própria carne que ela vivifica.
Qual foi o crime de Pilatos? Foi o de ter sido fraco. Não foi ele autor de uma condenação categórica, como a de Herodes (*). Mas sua culpa nem por isso foi menor. Porque o pecado não está somente em não atacar a Jesus. Está também em não O defender. Está também em não ter a coragem de O preservar, de O resguardar contra o ódio das multidões. Está na covardia de não lutar.
Descendo agora ao terreno de nossas consciências, este terreno onde somente dois olhares penetram, o de Deus e o nosso, perguntemo-nos desassombradamente: não seremos nós outros tantos Pilatos?
Confessar, comungar, pedir a Deus inúmeras graças, na sua maioria temporais, dinheiro, saúde, felicidade, e também um pouco de virtude, como uma gorjeta que se faz a Deus, isto tudo não é possuir na sua plenitude o espírito cristão, todo feito de luta e de sacrifício.
Ser cristão não é só ser um crente, é ser também um soldado. É saber descer à arena da luta de opiniões, ostentando com firmeza nossos princípios. É não ter medo de adquirir inimizades, se for necessário. É não ter medo de atrair sobre si antipatias. É, em suma, sacrificar-se.
A Igreja reivindica, no atual momento, diversas garantias que lhe facilitarão o desempenho de sua divina missão. Todos os católicos têm a obrigação de lutar incessantemente por estas reivindicações. E o católico que se mergulhar na deliciosa inércia de quem, muito humildemente, pergunta “quem sou eu, que posso eu fazer, se sou um mero particular, sem posição de destaque que me permita exercer uma ação eficiente?”, que se lembre de que, se todos os católicos brasileiros, em suas conversas, em suas discussões, em toda a sua vida, enfim, soubessem reivindicar os direitos da Igreja, nunca teria nossa Constituição (pesado jugo de quarenta anos de República) sido deformada por um positivismo ridículo, obsoleto, como aquele com que pretenderam fazer de nós a caricatura cruel de um povo civilizado.
Combatamos. A Igreja espera que cada um cumpra o seu dever.
Nota:
(*) O rei Herodes, buscando matar o Menino Jesus, ordenou a matança dos Santos Inocentes (cfr. Mt. 2, 1-18).