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O dever da honestidade

Sempre achei muito inverídicos aqueles vídeos em que o cônjuge chega em casa enquanto está acontecendo um adultério contra ele e o traidor vai ocultando o cúmplice por desviar a atenção do inocente para o lado oposto. Nunca compreendi como alguém poderia ser tão desatento a ponto de não perceber um criminoso em ato simplesmente por deslocarem a sua vigilância para outra direção…

Se isso me parece inverossímil do ponto de vista individual, não o é desde a perspectiva social. Vivemos num mundo em que a percepção da realidade foi substituída pela assimilação de esteriótipos; quase todos aprenderam a duvidar da sua própria capacidade de apreender o mundo e a confiar cegamente naquilo que dizem os detentores do direito de fala e os donos da hegemonia das opiniões circulantes.

Nesse teatro de sombras, a necessidade de impor o símbolo em detrimento da coisa, quanto mais se mostra imperiosa, mais denuncia a própria artimanha. E essa violência se intensifica não apenas pela perseguição institucional, mas também pelo reforço proposital da unanimidade discursiva, que hostiliza o real, atirando sobre quem o observa a culpa social de observá-lo como única forma de inibi-lo.

Ceder a tais embustes é já capitular: não se pode chamar de justa a injustiça nem de verdadeira a inverdade, ou o que é pior, a mentira. A hiprocrisia reinante dos cúmplices, movidos sabe-se lá por quais interesses em jogo, é não somente consciente como culposa: já não há mais honestidade, há apenas a vileza de discernir quem está ou não do próprio lado.

Não é fácil flagrar um adultério. Ainda mais quando o que se adultera não é um vínculo individual, mas um compromisso coletivo. Isso gera crises e desconfortos, mas que são oportunos para que se traga a realidade à ordem. Quanto mais se adia a descoberta, tanto mais os culpados se denunciam pelo desconforto e nervosismo, enquanto os inocentes continuam a sofrer pela omissão de quem lhes deve apenas o dever da honestidade.

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