A Segunda Guerra Mundial foi o conflito mais sangrento e devastador da história. O número de mortos é estimado em até 85.000.000 pessoas, sendo a maioria civis. A Europa, o principal campo de batalha, foi a região mais afetada pelo poder de destruição das armas. Ao fim da guerra, 13 milhões de crianças tinham perdido pelo menos um dos pais. Calcula-se que dos 36 milhões de europeus que morreram, metade eram civis. Mesmo diante de tantos fatos dolorosos, o pós-guerra estranhamente gerou no mundo todo uma sensação também de euforia, de esperança por dias melhores, de desejo de recomeçar a vida e de correr na direção de uma sensação de felicidade que prometia nunca mais acabar. Com base na onda de otimismo dos “Anos Dourados”, houve em muitas regiões até crescimento econômico, e sonhava-se com a eliminação da pobreza e do sofrimento da face da Terra.

Mas, o que vimos acontecer neste mundo após aquele grande conflito? Infelizmente, o plano de extinção definitiva dos problemas da sociedade não funcionou. Hoje, em todos os Continentes, o homem orienta-se quase que exclusivamente para a posse e o uso dos bens materiais. O progresso da ciência e da técnica fez nascer a sociedade de consumo, onde os bens materiais não estão mais apenas a serviço das atividades criativas do homem, mas também – e com altíssima frequência – tornaram-se, acima de tudo, um meio de satisfazer e embriagar a mente, de levar à euforia os sentidos, de proporcionar todos os prazeres e todas as diversões e distrações possíveis.

Assim, a preocupação dominante na mente de nossos contemporâneos expressa-se sobretudo em termos de “ter”, e raramente em termos de “ser”: acumular o ter, o saber, o poder, pagando o preço de um esquecimento coletivo de Deus, da divinização do dinheiro, da ciência e da tecnologia. O mundo está mergulhado em um paganismo materialista e secularizante, caracterizado pela indiferença religiosa e pelo brutal desconhecimento do significado que atribuímos a Deus, em face dos problemas graves da vida. Essa espécie de esterilização religiosa da cultura ocidental tem consequências humanas dramáticas, porque deixa as grandes questões da nossa vida sem resposta. O homem de hoje encontra-se exposto à decepção desesperada, ou à tentação de destruir a própria vida humana, pelo fato de ser ela mesma a lhe apresentar essas questões.

Nós estamos esquecendo de que não foi o homem quem fez Deus, mas foi Deus quem fez o homem. O esquecimento de Deus conduz ao abandono do humano, da ideia de Criação, e, nesse contexto, não é de surpreender que desenvolvam-se largamente o niilismo na Filosofia, o relativismo e a gnose na moral, e o pragmatismo na forma de abordar o quotidiano. A cultura atual dá a impressão de uma apostasia silenciosa por parte de um homem que vive como se Deus não existisse. “Jesus disse aos Doze: ‘Vós também quereis ir embora?’ Simão Pedro Respondeu: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’.” (Jo 6, 67-68). Esse trecho do Evangelho de João é instigante, revela que fora de Deus não há nada de duradouro, de eterno. Em resposta a esse testemunho de fé de Pedro, o Ocidente – ao invés de entregar-se à verdade – está cada vez mais excluindo Deus da consciência pública. Numa escala global jamais vista, a existência de Deus é considerada não demonstrável – e, portanto, incerta –, pertencente ao grupo das coisas subjetivas e insignificantes para a sociedade. Essa exclusão de Deus traz dentro de si a rejeição de toda autoridade, traz a rebelião contra todo e qualquer limite, contra todo valor moral universal e contra o próprio fundamento de tais valores, como a ideia de natureza humana, por exemplo.

O homem contemporâneo teria então ultrapassado a “Era da religião”? Teria alcançado uma racionalidade  purificada e superior? Claro que não! Como o povo de Israel, fazendo um deus ao seu gosto – um bezerro de metal fundido (cf. Ex 32) – e divertindo-se de forma escandalosa enquanto Moisés estava com Deus na montanha, o homem contemporâneo não está isento da tentação de fazer um deus para si mesmo, a fim de tomar posse da divindade – “sereis como deuses” (Gn 3,5) –, apropriar-se dela, manipulá-la e mobilizá-la segundo seus interesses gananciosos e egoístas.

Diante daquela pergunta retórica de Nosso Senhor – “O Filho do Homem, porém, quando vier, encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18,8) – e diante da realidade de uma sociedade em que se preconiza como sadio a liberalização das drogas e do aborto, a erotização da Educação, a desobediência às leis da Igreja – tanto doutrinárias quanto morais e litúrgicas – por parte dos próprios prelados que um dia prometeram defendê-las em seu ministério, perguntamo-nos já em agonia se não será o fim da “Era” de Cristo. Terá Deus se esquecido de seu povo? Assusta ver tantos pregoeiros de tal fim, erguendo templos físicos ao próprio Satanás (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2023/05/25/satanas-representa-quem-pensa-diferente-templo-satanico-o-grupo-que-combate-influencia-religiosa-nos-eua.ghtml); propagandeando um modelo de Igreja baseado em ideologias marxistas e contestatórias que, para dizer pouco, já fedem a mofo; exaltando facínoras que ocupam cargos públicos e cuspindo na liberdade de expressão da população; promovendo, enfim, uma religião que não é mais evolução, mas revolução.

Evolução implica crescimento de algo ainda em seu estágio incompleto, enquanto revolução implica ruptura com um princípio; a evolução tem antecedentes, enquanto a revolução não conhece a sua linhagem. Quando há uma revolução na religião, não acontece apenas uma ruptura com o passado, mas também um abandono de muito do que há de melhor na cultura e na herança da tradição recebida. A nova concepção da religião é bem diferente da antiga, e é diferente porque tem como herança uma vasta gama de negações e, como promessa, ricas esperanças de glorificação do homem e não de Deus.

Diferentemente daqueles anos que sucederam a Segunda Guerra Mundial, estamos em um período da história humana em que é difícil sentir esperança com relação ao futuro. Contudo, para que nossa alma não mergulhe no erro do desespero, é preciso alimentar nossa inteligência com o pão que nunca se deteriora, que nunca acaba, e que nunca engana: a Revelação de Deus. Partindo do princípio de que Deus não mente, é certo que nossa consolação chegará, ainda que não possamos prever datas. Fixemos nossos sentimentos e nossa alma menos nas explosões de maldade, angústia e loucura ao nosso redor, e mais na Sagrada Escritura, que nos dá como remédio para os males da tristeza e do desânimo a verdade inabalável de que Deus nos ama e nos protege: “Sião vinha dizendo: ‘O Senhor me abandonou, o Senhor esqueceu-se de mim’! Pode uma mulher esquecer-se de seu filhinho, a ponto de não compadecer-se do filho de suas entranhas? Mesmo que ela se esquecesse, eu, contudo, não me esquecerei de ti!” (Is 49, 14-15). Cristo veio para ficar!