De maneira especial quando abordamos o tema do sofrimento percebe-se uma divisão, na comunidade cristã, quanto à forma de reagir a ele. Em uma parte desse grupo dividido, as pessoas reagem como os hebreus que, como narra o Livro do Êxodo, cansados dos tormentos e das dores do deserto, congregaram-se em torno de Aarão e lhe disseram: “Vamos, faze-nos um deus que vá à nossa frente, porque a esse Moisés, a esse homem que nos fez subir da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu” (Êx 32,1). Fundiram então um bezerro de ouro e exclamaram: “Este é o teu Deus, ó Israel, o que te fez subir da terra do Egito” (Êx 32, 4). Assim, da falta de paciência, do cansaço e do sofrimento pode surgir o abandono da fé, o abandono do amor a Deus sobre todas as coisas, uma confiança maior nos poderes humanos do que nos divinos, e tudo isso traz consigo terríveis e desastrosas consequências para a nossa alma imortal.
Há que pensar em nossa vida neste mundo como algo passageiro, e que fatalmente em algum momento será experimentada como a travessia de um “vale de lágrimas” — fragmento da oração da Salve Rainha —, mas custa-nos rebater os desafios da vida e enfrentarmos o mundo com a confiança, por exemplo, de um pugilista que sabe que pode vencer a luta, que tem necessidade de lutar, e que mantém a sua alma atenta à vitória, e não prostrada em uma triste derrota. Sobre essa “necessidade” — a necessidade de lutar —, São Paulo é mestre, e mestre genial. Já recordamos que ele dizia, após considerar-se nada: Mas, pela graça de Deus sou o que sou, e a graça que Ele me deu não tem sido inútil. Ao contrário, tenho trabalhado — tenho lutado — mais do que todos eles (Cf. 1Cor 15,10). Esse homem corajoso fala sempre da luta do cristão como de um desafio otimista, como de uma competição atlética ou esportiva. Como nos faz bem lembrar disso e decidirmo-nos também nós a sermos “lutadores” — no esforço por melhorar —, cheios de otimismo e espírito esportivo! Não vemos que é assim que se manifesta a nossa esperança na graça de Deus? Se não tivéssemos essa confiança na ajuda de Deus, não lutaríamos, largaríamos tudo.
Vamos, pois, meditar sobre alguns trechos, de certa forma “esportivos”, de São Paulo. Podemos começar com aquele em que fala do estádio onde se davam as competições. São Paulo está escrevendo aos coríntios — que, por sinal, lhe deram muito trabalho —, e diz-lhes: “Não sabeis que aqueles que correm no estádio, correm todos, mas um só ganha o prêmio? Correi, portanto, de maneira a consegui-lo. (…) Quanto a mim, é assim que corro, não ao incerto; é assim que pratico o pugilato — ou pugilismo — mas não como quem fere o ar” (1 Cor 9,24.26). Quantas sugestões não contêm essas palavras! Não é verdade que, muitas vezes, nos sentimos espiritualmente parados, estagnados? Mas, como poderemos ter uma vida melhor se não lutamos a sério, como os atletas no estádio?
Poucos podem dizer que, para ganhar mais fé, mais paciência, mais compreensão, mais ordem, mais formação, mais constância, mais generosidade com o próximo, mais qualidade e profundidade na oração e no trabalho, lutam com a garra de um campeão no estádio. Para isso, precisariam ter metas concretas de oração e de luta, e não só boa vontade e bons sentimentos. Deveriam determinar-se e dizer: “Eu me proponho isto, a partir de amanhã: aquela oração, aquele esforço, e aquela mudança de atitude; não quero ficar dando golpes no ar (muito sentimento, muitas palavras vãs e pouco sacrifício)”. Deveriam evitar, além disso, correr sem rumo, ou seja, deveriam procurar ter uma orientação, uma direção espiritual que lhes facilitasse traçar roteiros, concretizar um plano de vida; que acompanhasse a aceleração da sua “corrida”, e os ajudasse a retificar e a aprender com os erros, como faz o treinador com os atletas. Quantos há que podem dizer que fazem o que Paulo recomenda? Poucos. Muito poucos. Somos comodistas. Por certo o sofrimento não agrada a ninguém, mas em muitos casos não fazemos mais do que vitimizar a nós mesmos. Talvez não estejamos lutando como Paulo pedia a Timóteo: “Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna”! (1Tm 6,12); ou estejamos esquecendo-nos do exemplo que o Santo dava aos filipenses: “esquecendo-me do que fica para trás, e avançando para o que está diante, prossigo para o alvo, para o prêmio da vocação do alto, que vem de Deus em Cristo Jesus” (Fl 3,13-14). Eis o “pugilismo” de São Paulo!
Tiremos de perto de nós aquela “lente de aumento” que o diabo sempre coloca sobre os nossos problemas, fazendo com que pareçam muito maiores do que na realidade são. Acima de tudo, descarreguemos toda a força de nossos “punhos” sobre aquele “monstro” que é o pânico. Não faremos nenhum progresso na luta da vida se ficarmos o tempo todo utilizando nossa mente para imaginar quais serão os piores resultados possíveis para uma determinada situação. Esse tipo de pensamento desenvolve-se como uma corrente, e cada “e se…” de nossa reflexão leva a outro, avançando gradativamente para uma elevação do pavor e da desesperança a níveis perigosos para a saúde do corpo e da alma.
Nunca tome para si a responsabilidade de salvar o Brasil sozinho! Diante de acontecimentos reais, avalie qual é a sua parcela de responsabilidade em cada caso, e faça a sua parte, sem nunca tentar viver a vida dos outros. Lembre-se do ditado: “fazer o máximo é o máximo que se pode fazer”. O que exceder às suas possibilidades no “pugilato” cristão dessa vida deve ser oferecido a Deus em oração. Nesses casos, mais uma vez São Paulo nos ensina: “Sede alegres na esperança, perseverantes na tribulação, assíduos na oração” (Cf. Rm 12,12); “Por isso, eu me comprazo nas minhas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,10).
Texto maravilhoso, de uma esperança “rochosa” na morte do homem velho e o nascimento do homem novo.