Uma das principais características do movimento revolucionário é a capacidade de adaptar-se a situações não somente políticas, mas também culturais e a partir disto assumir uma postura camaleônica de mudar o seu discurso conforme o curso das águas. O marxismo em especial possui uma capacidade ímpar de atuar nesta área a partir de sua dialética própria, onde a mesma coisa pode significar duas ou mais coisas e até mesmo serem contraditórias em si e ainda assim serem aceitas como premissa para um debate político ou mesmo cultural.

Este processo já ocorrera muitas vezes durante os últimos 170 anos, onde podemos observar mudanças drásticas do discurso e do direcionamento das pautas defendidas pelas ramificações da mentalidade marxista. Em determinados momentos chegando inclusive a termos duas linhas completamente opostas de pensamento chocando-se publicamente, mas ambas defendendo o marxismo.

No Brasil de 2022, estamos presenciando este movimento acontecer a olhos vivos, e, no meio desta tesoura dialética está um povo cansado da destruição moral, do imaginário e das bases históricas de seu país.

As pautas revolucionárias da “Nova Esquerda”, surgidas por volta dos anos 1960, chegaram com força no Brasil no final dos anos 1990. Ganhando proporção monumental depois da subida ao poder pelo PT através do voto e da tomada das instituições pelo poder de ação de fato (que é diferente de ganhar as eleições, já diria José Dirceu). A partir disto, o brasileiro viu uma chuva de chorume ideológico tomar o debate público, sendo o mais nocivo e preocupante, as pautas de cunho identitário em âmbitos sexuais (gênero) e raciais.  Aliado a esta pauta, a teoria do lumpemproletariado já estava fincando raízes no país e o banditismo ideológico passa a assolar profundamente a nação.

A partir disto, o Brasil viu florescer o crescimento de um movimento conservador, onde a sua principal reação era, e ainda o é, combater estas pautas. Uma parcela importante da população identificou-se como conservadora e de direita, o que em um primeiro momento parecia ser uma única coisa, e em um olhar mais simplista, passou a levar estas pautas como o fator principal do embate político eleitoral.

Porém o movimento revolucionário nunca está parado e sempre trabalha em vários caminhos para atingir o seu fim, e foi a partir desta insatisfação popular que a revolução começou a trabalhar um novo tentáculo de sua dialética, ainda dentro da visão marxista e que confronta esta linha de pensamento da “nova esquerda”.

Para entendermos isto, é necessário retornarmos brevemente na história: Um dos principais “avanços” da revolução no século XIX foi a destruição dos padrões morais da Igreja Católica, tornando o homem cada vez mais afeito aos prazeres carnais em todas as suas vertentes: gula, avareza e a luxúria (sexo). O homem do campo passa a ir para os grandes centros na revolução industrial em busca de uma melhora de vida. Marx e Engels, percebem o caos inicial das primeiras décadas da revolução industrial e ali percebem uma oportunidade de organizar as massas contra as péssimas condições de vida nas grandes cidades na época. Porém o tempo passou e os marxistas perceberam que o proletariado na verdade não queria revolução, mas sim ascender socialmente e como classe média aproveitar os prazeres que lhes eram propostos (perceba aqui, prazeres estes oferecidos pela própria revolução em outro tentáculo). Em meio a este paradigma, o movimento revolucionário marxista através das Internacionais Socialistas institui que a devassidão sexual era uma distração burguesa e que deveria ser combatida pelo partido (aqui entenda “O partido” no sentido amplo de organização internacional do movimento socialista).

No início do século XX, os movimentos comunista, socialista e anarquista passa a defender pautas como a moralidade e o direito ao porte de armas. O primeiro pelos motivos expostos acima e o segundo pelo fato simples e objetivo de ter o povo como um exército orgânico para a tomada do poder, exatamente como fizera Fidel Castro no final dos anos 1950.

Voltando para os dias de hoje no Brasil, existe uma “casta” da esquerda nacional que se manteve fiel a esta linha da dialética, senão em sua totalidade, pelo menos no cerne, afinal, também usam da dialética marxista para avançar. Percebendo que dentro de sua doutrina existem pautas que são as mais urgentes para o povo brasileiro e que não necessariamente estão ligadas à política partidária, começam a trabalhá-las de maneira organizada e estratégica, cooptando pessoas que representam símbolos de confiança nacional como, por exemplo, membros das forças armadas. A partir daí passam a defender de maneira ostensiva a moralidade, o direito de defesa, a soberania nacional e acima de tudo a “brasilidade”, sem apresentar obviamente todo o restante da agenda, o que invariavelmente irá levar ao comuno-marxismo de sempre.

Este movimento está acontecendo no Brasil, com seus promotores trabalhando para ocultar ao máximo a pauta marxista, chegando até mesmo a escorar-se ideologicamente no tentáculo revolucionário do fascismo, evocando a figura do ex-ditador Getúlio Vargas como modelo de avanço, progresso, desenvolvimentismo, patriotismo e… estatismo! Afinal, um estado forte é essencial, seja para o fascismo, seja para o comunismo. Nesta salada ideológica, vale até mesmo dizer-se convertido à Igreja Católica e ir à missa.

Infelizmente, a tendência é que um número grande de pessoas seja cooptado pelo pensamento sedutor e principalmente pelas promessas de ações rápidas, para ontem que, segundo o seu discurso, “o Brasil precisa para voltar a ser grande”.

Estamos presenciando o nascimento do que venho chamando de direita bolchevique.

Por mais confuso e contraditório que possa parecer, o motivo é até bastante simples de compreender: O objetivo último da revolução, seja ela de qual ideologia for, é o nascimento de um novo homem através da subversão total da ordem moral, política e religiosa. Mesmo que para isso seja necessário no meio do caminho dar alguns passos atrás para ordenar o curso das águas, mesmo que neste processo seja necessário derrubar pelo caminho aliados de revolução. No mais amplo e profundo sentido as palavras do revolucionário Saul Alinsky nunca foram tão verdadeiras:

“A questão não é a questão. A questão é a revolução”