Na experiência pessoal, temos a convicção de que uma vida bem planejada é sempre superior a uma de conduta desregrada. O senso comum diz que quando algo é projetado com esmero, a tarefa, além de ser melhor realizada, ainda é realizada em tempo mais exíguo. Portanto, quem se planeja só tem a ganhar.

No entanto, a questão é: essa experiência que obtemos em nossa vida privada também pode ser aplicada à sociedade?

Os socialistas acreditam que sim, pois têm a convicção de que o planejamento é capaz de oferecer soluções para uma ordem social eficiente. Para eles, a sociedade tem mais chances de dar certo se for bem arquitetada. Por isso, propõem sociedades planificadas, prometendo que, dessa forma, será possível gerar riqueza para o sustento dos povos, superando, inclusive, os defeitos do capitalismo.

No entanto, toda planificação exige controle. Por isso, juntamente ao planejamento, os socialistas entregam uma sociedade totalmente dirigida, com pouco espaço para a liberdade individual, com um poder central forte e completamente comandada por uns poucos iluminados. O projeto, neste caso, transforma-se em prisão.

Friedrich Hayek identifica esse desvio socialista à sua racionalidade ingênua, tanto que a chama de “racionalismo construtivista”. Segundo ele, o problema fundamental do socialismo estaria em sua convicção na capacidade da razão humana avulsa de identificar os problemas e propor as devidas soluções. Ocorre que, em vez de soluções, o socialismo entregou tragédias. Lembremos que foram exatamente sob governos planificadores que surgiram as piores tiranias.

Explicando essa realidade, Hayek, em seu livro “Os erros fatais do socialismo”, oferece sua tese fundamental: de que o socialismo não dá certo exatamente porque uma ordem social planejada não é capaz de se tornar uma ordem social eficiente. O fato é que o planejamento social não pode garantir a posse do conhecimento acumulado nos séculos.

Planejar é uma tarefa individual, no máximo, a ser realizada em colaboração. De qualquer forma, depende que mentes individuais, conscientemente, proponham atos a serem executados para que certos resultados sejam alcançados. Na vida dos indivíduos, isso costuma funcionar bem; em ambientes controlados, como empresas e escolas, também costuma dar certo. O problema é quando se tenta usar do mesmo método em toda a sociedade. Ela não permite ser gerenciada dessa maneira. Sua complexidade, diversidade e ausência de propósito unificado fazem com que qualquer tentativa de direcionamento impeça o processo de desenvolvimento que lhe é próprio e que acontece de maneira espontânea.

O que Hayek argumenta é que nossos valores e nossas instituições são parte de um processo inconsciente de auto-organização. Como já se observa em outros sistemas complexos que se estruturam de forma não-linear, mas de maneira multifacetada e aparentemente irrastreável, a sociedade progrediu por meio do acúmulo de conhecimentos diversos, que se completam, se influenciam e se destróem mutuamente.

O que ocorre nessa ordem ampliada é que os conhecimentos, sem intervenções conscientes, circulam livremente, permitindo com que aqueles que se mostram mais eficazes permaneçam e os ineficazes sejam descartados. As ideias acumuladas na sociedade são auto-geridas dentro dela, mantendo, por seleção, aquelas que demonstram ser mais importantes e eficazes. Seria como um darwinismo dos conhecimentos, fazendo permanecer aqueles que se adaptam melhor às necessidades da sociedade.

Esses conhecimentos sobreviventes acabam se impregnando em nossas tradições e em nossa cultura, enriquecendo-nos com uma sabedoria que seria impossível acumular por meio de um controle centralizado. Aliás, esse é o grande problema do socialismo: ele não tem essa sabedoria espontaneamente acumulada – e jamais a terá. Por isso, a ordem ampliada sempre será superior.

Inclusive a moralidade, que tem papel essencial na estabilização social, na perspectiva de Hayek, não é instintiva, nem criada pela inteligência consciente, mas constitui uma tradição intermediária separada. Para ele, a moral se desenvolve concomitantemente à racionalidade, não como produto dela. Nisto, ele repete Hume, que dizia que “as regras de moralidade não são produtos de conclusões da nossa razão”. O que Hayek queria dizer é que a própria moralidade é parte da seleção natural que a sociedade faz com suas ideias, permitindo sobreviver aquelas que melhor se adaptam às suas necessidades.

Por isso, o socialismo jamais poderá dar certo. Como suas ideias não são conclusões derivadas do acúmulo de conhecimento, nem sua prática fruto de uma sabedoria desenvolvida no seio da sociedade, não passando de concepções avulsas de homens desapegados da tradição, ele estará sempre sujeito a todo tipo de equívocos. Não é por acaso que as tentativas de implantá-lo, além de não gerarem nem a sombra de riqueza que o capitalismo gerou, ainda estimulou as maiores mazelas, como genocídios, perseguições, tiranias e todo tipo de desequilíbrios.

O fato é que, se a civilização deve sua existência, prosperidade e estabilidade a uma forma específica de conduta, como aquela que a ordem ampliada lhe forneceu, não tem o direito de trocar isso por promessas vazias oriundas de mentes avulsas, com suas fraquezas e limitações. Seria como aceitar um pedaço de terra no deserto, com a promessa que ali se fará um grande latifúndio, em troca de uma fazenda próspera e bem equipada em terras férteis sob um clima tropical.

A verdade é que a civilização depende da ordem ampliada de cooperação humana, ainda que ela pareça incompreensível, à primeira vista, e desagradável, em alguns momentos. De qualquer forma, dela dependemos e somente nela podemos seguir com razoável segurança.