A paróquia que eu frequento recebeu uma grande caravana de fim de retiro espiritual, o local é bastante amplo e estava lotado com nunca se viu, os familiares, em euforia, queriam rever seus queridos parentes depois de dias de ausência. Era uma mistura de ansiedade, saudade e alegria que contagiava todo o ambiente com estranha sensação. As expressões daquele público revelavam aflitiva esperança de mudanças, uma expectativa de que os exilados voltassem diferentes.
O grupo, depois de ser recebido aos aplausos, se posicionou no local designado e as lideranças do retiro selecionaram alguns participantes para darem depoimentos da experiencia. Os jovens e adolescentes chamados ao altar foram os que mais emocionaram a plateia, eles diziam, com juvenil sinceridade, sobre as transformações espirituais experimentadas juntamente com uma clareza de consciência de erros e tropeços que cometiam. Esses jovens falavam diretamente aos seus pais, com olhos molhados e voz embargada, sobre o quanto se arrependiam e prometiam mudanças que deixaram os pais em prantos, emocionando todos que estavam presentes. Houve, ali, uma força mística, a ação do Espírito Santo que conduziu a transformação naquele grupo.
Como eu não tinha nenhum ente ou amigo naquela comitiva, sem querer me coloquei numa posição de observador que buscava captar a camada que estava por trás de tudo aquilo e me surpreendi com a seguinte percepção: qual desses familiares conseguiu depreender que é justamente o círculo de influência de seus filhos o grande responsável por modelar o comportamento deles?
Somente os gênios são capazes de pensar por si mesmos, nós, pessoas normais, pensamos e agimos conforme os valores que nos ensinam. Nosso comportamento é impulsionado por alguém de alguma maneira e a grande sacada para ganhar liberdade de pensamento é descobrir como isso ocorre. É aí que chegamos em duas pessoas, os psicólogos Stanley Milgram e Leon Festinger.
Milgram, em famosa experiencia realizada na década de 60 que recebeu o seu nome, descobriu que é da natureza humana a tendência de se submeter ao poder de uma autoridade, mesmo que as ordens estejam frontalmente contrárias às crenças do subordinado. As taxas de subordinação chegam a patamares elevadíssimos quando a ordem é executada por mais de uma pessoa.
“Esta é talvez a lição fundamental de nosso estudo: o comum dos mortais, realizando simplesmente seu trabalho, sem qualquer hostilidade particular, pode se tornar o agente de um processo de destruição terrível” (Milgram, apud Bernardin, p. 17) [1]
Já o senhor Festinger estudou o fenômeno psicológico chamado dissonância cognitiva, que grosso modo pode ser definido como a existência de um conflito interno causado pelo entrechoque de cognições (operações mentais que formam o conhecimento) contrarias entre si, provocando um estado de dissonância (ausência de harmonia). Festinger descobriu o poder dos atos no psiquismo humano, pois já que o erro de conduta uma vez realizado não pode ser desfeito, a saída para atenuar os efeitos desconfortáveis dele é mudar de opinião (crença), é uma válvula de escape psicológico. São as famosas justificativas para si mesmo depois que a “merda” acontece.
Esses exemplos são somente dois de um conjunto enorme de estudos que resultaram em várias técnicas de manipulação humana, todos agrupados bonitinhos no campo da psicologia comportamental, estudadas e aplicadas em várias profissões, desde administração até as cadeiras de licenciatura e pedagogia. Se em todas as demais profissões a psicologia comportamental é utilizada, por qual razão ela não seria empregada nas salas de aula?
Educação, dependendo da acepção dada a ela, arrasta a ideia de retenção de valores muitas vezes involuntária. Estamos a todo momento absorvendo novos pontos de vistas e somos obrigados a acomodá-los. Para quem ainda acredita que educação é ensinar português, matemática, etc, talvez o eu direi vai parecer coisa de neurótico, mas aqueles que já acordaram sabem perfeitamente que educação é, antes e acima de tudo, transmissão de valores. É IMPOSSÍVEL separar do homem toda a sua visão de mundo, a sua substância, quando ele está transmitindo alguma coisa para alguém. Também é uma bobagem enorme aquela conversa moderna de que o papel do educador é somente o de mediador ou facilitador, que o estudante aprende sozinho. É claro que os jovens têm pendores e tendências naturais, mas comportamentos que destoam demais dos costumes familiares foram aprendidos fora do lar.
Termino compartilhando o importante recado sobre a necessidade de conhecer profundamente quais são os integrantes mais relevantes do círculo de influência dos jovens, e alertar para o fato de que uma das maiores autoridades neste círculo, se não a maior, é o professor, treinado com ferramentas poderosíssimas. Não é exagero dizer que eles podem ser a salvação ou desgraça da juventude.
[1] Bernarin, Pascal. Maquiavel Pedagogo. Tradução de Alexandre Muller Ribeiro. 1a Ed. Campinas: CEDET, 2013.
Dez parágrafos nota dez.
Parabéns pelo texto, Allan!
“Não é exagero dizer que eles podem ser a salvação ou desgraça da juventude.” – E nem é exagero dizer que tem sido mais desgraça que salvação.
Precisamos fazer nossa parte (no meu caso, primeiro dentro do meu ser, depois – e ao mesmo tempo – na minha família, depois…).
Muito obrigado pelo retorno. Fico muito feliz quando vejo que mais pessoas percebem o que tem acontecido nas escolas.
Forte abraço.