Sempre gostei de novidades tecnológicas. Desde jovem, estive na vanguarda dos usuários dos aparelhos mais modernos. Com o tempo, porém, meu entusiasmo pela tecnologia foi sendo ponderado pela consciência do papel dúbio que ela exerce: de facilitadora das minhas tarefas cotidianas e de arma de opressão nas mãos dos poderosos.
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A maneira como as invenções tecnológicas tornam a nossa vida mais fácil é evidente. Aliás, está na própria definição de tecnologia ter como objetivo fazer com que ações sejam facilitadas. Todo instrumento tecnológico existe para diminuir o esforço e a complexidade de uma ou várias tarefas humanas.
Há porém um outro lado da tecnologia que, dificilmente, as pessoas se dão conta: a maneira quase instantânea como qualquer uma de suas invenções torna-se instrumento de opressão na mão dos governos. Seja qual for o governo (de esquerda, de direita, fascista, liberal), ele jamais desprezará um instrumento tecnológico se este lhe permitir aumentar sua força e eficácia.
Todo governo (no sentido amplo, que envolve todo o aparato estatal e não apenas o poder executivo) é exercido por meio de normas, as quais, para serem cumpridas, exigem a coerção e a ameaça de punição por parte do Estado. A existência do Estado praticamente resume-se a isto: baixar determinações e zelar para que elas sejam cumpridas.
Obviamente, todo governo se depara com toda sorte de resistência às suas determinações. Todos os dias, há uma multidão que as ignora ou deliberadamente tenta descumpri-las. A resistência ao poder governamental é o que há de mais comum numa sociedade – praticamente a define.
Toda vez que um cidadão obtém sucesso em seu descumprimento das determinações governamentais, mais exposta fica a fraqueza do Estado – o que é inadmissível para, pois o Estado subsiste da autoridade e do respeito que se deve ter em relação a ele.
Para mostrar-se mais forte, então, o governo precisa que seus atos sejam cada vez mais eficazes. Sua capacidade de fazer com que os cidadãos cumpram – ainda que não queiram – as determinações legais estabelece muito do poder real, mas também da sensação de poder que o governo transmite.
A necessidade de eficácia exige instrumentos eficazes. Por isso, um governo não pode abrir mão de nenhum deles, quando lhe estão disponíveis, pois isso significaria abrir mão de algo que lhe faz mais eficaz, portanto, mais forte. Esse é o motivo de não haver ponderação no uso de qualquer recurso que permita o governo agir em favor de seus próprios interesses. Se algo está disponível para ser usado por ele, será usado por ele.
Negar o uso de um recurso que lhe aumente a eficácia é negar sua própria natureza coercitiva e punitiva. Por isso, toda tecnologia, torna-se, no momento mesmo que se torna aplicável, uma virtual arma nas mãos do governo. Ele apenas não a utilizará se seu uso for, por algum motivo, inconveniente.
As pessoas comuns, e mesmo as empresas, têm diversas restrições para usar tecnologias de ponta (custos, necessidade, aplicabilidade, possibilidade, permissão). Um governo, porém, não as tem, senão a inconveniência. No entanto, mesmo esta praticamente só se manifesta em governos democráticos, que têm de obedecer leis e dependem de votos. Governos ditatoriais, por seu lado, que não estão sujeitos à aprovação, nem estão submetidos a uma estrita ordem jurídica, nem a inconveniência possuem – ou as têm em casos muito específicos.
Sendo assim, o que pode impedir um governo ditatorial (ou com pendores despóticos) de fazer uso de um instrumento tecnológico, estando este disponível? O que o impediria de lançar mão de um aparelho qualquer se este lhe permite ser mais eficiente em sua missão coercitiva e punitiva? Quando testemunhamos alguns destes usando, sem nenhum pudor, a tecnologia, de forma a tornar a vida das pessoas mais restritiva, menos livre e mais submetida às determinações governamentais, não há nenhum motivo para escandalizar-se com isso. Afinal, o governo está apenas exercendo a sua natureza, da melhor maneira possível.
Tecnologia e poder estão intrinsecamente conectados. Toda tecnologia insinua-se para o governo, como que pedindo para ser usada por ele, o qual não titubeará em fazer isso. Por isso, apesar de gostar de tecnologia, não me empolgo com ela. Pelo contrário, toda vez que me deparo com uma invenção, logo me pergunto como o governo vai usá-la para suprimir, ainda mais, minha liberdade. E, cedo ou tarde, ele acaba fazendo exatamente isso.
Nem vamos pensar no Pix …