Ao definir pessoa como “substância individual de natureza racional”, Boécio não fez outra coisa que definir pessoa criada. A noção de pessoa, em Deus, tem pouco a ver com o nosso ser pessoal. Aliás, essa é a alma da analogia, um conjunto de semelhanças e dessemelhanças, em que as últimas predominam sobre as primeiras.

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Em nós, “pessoa” e “substância” são termos que coincidem: somos pessoas enquanto subsistimos por nós mesmos, como indivíduos constituídos de natureza racional. Em Deus, se dá exatamente o contrário.

A substância divina não coincide com uma, mas com três Pessoas. E o que as constitui como pessoas é aquilo que em nós é menos substancial e mais acidental: a relação.

O ser do Pai consiste em gerar o Filho; o ser do Filho, em ser gerado pelo Pai; o ser do Espírito Santo, em ser expirado por ambos; e o ser de ambos, enquanto sujeito da segunda processão, em expirarem o Espírito Santo.

Isso significa que essas relações eternas, que justamente fazem com que nenhuma Pessoa possa ser entendida em separado das demais, são o que as constitui como Pessoas. Sendo eternas, são um ato puro e simultaneamente trino, sem começo e sem fim.

Em outras palavras, o Pai dá eternamente o ser ao Filho, mas não pode dar-lhe o seu “Ser Pai”, pois ele é “Pai para o Filho”. O mesmo vale para as demais relações. E é por isso que, em Deus, se dá a mais impressionante de todas as realidades: o que constitui as Pessoas Divinas não é a incomunicabilidade da Substância (como no nosso caso), mas a comunicação da Substância se dá na incomunicabilidade dos têrmos relacionais, que, justamente por isso, são Pessoas. O “Ser Divino” é Uno e, no mesmo ato puro eterno, Trino.

Compartilhando a mesma substância — não apenas a mesma natureza, pois nós todos, seres humanos, compartilhamos a mesma natureza, mas somos sujeitos individuais; o que significa que substância não é sinônimo de natureza ou de essência, e que a supressão deste termo nos faria cair do triteísmo —, as Pessoas da Trindade são três “Entes Divinos” que compartilham a mesma Deidade.

A Deidade de Deus é paradoxalmente o aspecto mais externo e mais profundo do mesmo, pois, 1) se “ad extra” Deus age enquanto “Deus uno” e as oposições relacionais que constituem as Pessoas Divinas são apenas íntimas e “ad intra”; 2) no mais profundo do seu “ad intra”, as Três Pessoas Divinas subsistem na mesma Deidade, o que faz com que esta seja o mistério mais profundo da profundidade de Deus.

Pela Humanidade Santíssima de Cristo, nós temos acesso à vida íntima do Deus Trino e, nessa vida mergulhando, podemos contemplar a Deidade de Deus completamente enamorados. Nossas mentes podem descansar nesse Oceano de amor e nossa alma pode simplesmente voar como uma águia em torno de uma montanha. Nada há de mais sublime que a contemplação da Santíssima Trindade!