A Independência do Brasil não pode ser falada sem lembrarmos de seus principais agentes. O 7 de Setembro de 1822, o ápice de um ano turbulento, marcado com agitações em diversas ‘províncias’, só resultou no efeito que hoje conhecemos — o Brasil como nação livre- devido ao direcionamento, compromisso e percepção aguçada de pessoas como o Rei Dom João, o príncipe Dom Pedro, a princesa Dona Leopoldina, o ministro José Bonifácio de Andrada e Silva (reconhecido hoje como o Patrono da Independência do Brasil) e a participação discreta, mas nem por isso menos importante, dos Freis Arrábida e Sampaio.

Este artigo não tem por objetivo fazer um estudo detalhado de cada uma destas personalidades importantes para o Brasil, mas apenas lembrar com rápidas “pinceladas” os rostos e momentos que foram a base para a fundação do nosso país.

“O Grito do Ipiranga” ou “Independência ou Morte” de Pedro Américo, 1888

O grito de liberdade, retratado no quadro “O Grito do Ipiranga” ou “Independência ou Morte” de Pedro Américo, 1888, se deu pelo então Príncipe Regente, Pedro de Alcântara, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves às margens do Ipiranga (SP) como sinal de um povo que não se renderia à coação das Cortes Portuguesas. Em nome dos brasileiros Dom Pedro I teria dito na tarde daquele dia 7, segundo testemunho do padre Belchior Pinheiro de Oliveira: “Amigos, as Cortes portuguesas querem escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante, nossas relações estão cortadas”, “Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil”, e ainda teria declarado “Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte!”.

Pedro I, imperador do Brasil (1824), de Henrique José da Silva

A imagem acima retrata D. Pedro I, imperador do Brasil, pela visão do pintor português Henrique José da Silva, no ano de 1824. No Rio de Janeiro, a imagem contempla ao fundo a baía de Guanabara, e como plano de fundo o outeiro, a igreja de N. Senhora da Glória e o Pão de Açúcar.

O príncipe era conhecido por apresentar “uma mistura curiosa de brilhante inteligência, bondade, alegria, generosidade, esportividade, valentia e espírito de companheirismo (…), cavaleiro audaz e soldado entusiasta, apreciava as disciplinas militares e sabia lidar tanto com os oficiais quanto com os praças”, segundo Johanna Prantner. O historiador brasileiro Alberto Rangel o caracterizava ainda como “amável e franco, pessoa de bom espírito e de boa memória (…) apesar de suas múltiplas faculdades (…) a sua prosa escrita com expressões de iletrado, era revessa a qualquer disciplina gramatical e ortográfica”. Dom Pedro, ou o ‘Rei- Soldado´, como também ficou conhecido, após o retorno do pai à Portugal manteve contato com Dom João através de cartas nos anos de 1821 e 1822, oportunidade que lhe prestava contas do reino e dava notícias sobre a família.

Dom João VI (retratado abaixo pelo pintor francês Jean-Baptiste Debret, data de 1817), que chegou ao Brasil em 1808 com a corte portuguesa, diferente da figura superficial que “pintou” o imaginário popular, o então regente de Portugal temia a Deus e apresentava características de quem esforçava-se em exercitar suas virtudes de forma profunda. Devoto de Santo Ambrósio era conhecido como o “Clemente” e teria sido um dos reis de Portugal mais tementes a Deus, tendo em suas tomadas de decisões um olhar bastante humano e piedoso. Quanto alguns de seus grandes feitos ao Brasil: elevou o Brasil a Reino Unido junto a Portugal em 16 de dezembro de 1815 (Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves), criou o Banco do Brasil, Correios, a Biblioteca Nacional (acervo vindo da Real Biblioteca de Portugal), Jardim Botânico (inicialmente conhecido como Jardim de Aclimação) e também o primeiro tribunal superior no Brasil.

Retrato de Dom João VI (1817), por Jean-Baptiste Debret

Dom João, em sua “fuga” ou “saída estratégica” de Portugal ao Brasil (debate entre historiadores) para não ver comprometido o reino ao qual era responsável e que a Revolução Francesa procurava devastar, mostrou que teve grande habilidade ao contornar o ímpeto destrutivo de Napoleão Bonaparte que ao final declarou: “foi o único que me enganou”. Já estabelecido com a Coroa Portuguesa nas terras da América, em 1817 fez um dos maiores acordos mundiais que algum país poderia fazer na época: uma aliança por casamento com a casa da Áustria, um dos maiores impérios que ainda resistiam aos ataques violentos do imperador Francês. Assim, em 13 de maio de 1817 D. Pedro casou-se por procuração com a arquiduquesa Leopoldina Carolina Josefa na capital austríaca, Viena. Abaixo, o retrato do casal imperial, pelo pintor Simplício Rodrigues de Sá, no ano de 1826 em visita aos órfãos da Casa dos Expostos.

Dom Pedro e Dona Leopoldina, 1826, por Armand Pallière

Dona Leopoldina (retratada abaixo pelo pintor Joseph Kreutzinger, aproximadamente em 1817), ou Maria Leopoldina, como também passou a assinar como princesa do Brasil, acreditava fielmente que sua vinda ao Brasil e seu casamento com D. Pedro era uma missão conduzida por Deus em sua vida. Desde jovem tinha curiosidade em conhecer as terras novas da América. Grande parte dessa curiosidade se devia ao seu interesse por botânica e mineralogia que, pelas notícias, sabia que havia muito a que desvendar no Novo Mundo. A arquiduquesa teve grande zelo pelo compromisso que assumiria e estudou o país sob seus diferentes aspectos, a começar de imediato pelo estudo da língua portuguesa afim de chegar ao país e poder se comunicar na sua nova terra.

Maria Leopoldina Carolina Josefa de Habsburgo, 1817, por Joseph Kreutzinger
Maria Leopoldina Carolina Josefa de Habsburgo, 1817, por Joseph Kreutzinger

A vida da Imperatriz Leopoldina é assustadoramente esquecida pelo imaginário brasileiro acerca da história nacional, dada a sua importância e contribuição imensurável para a construção do Brasil e sua participação ativa no processo de independência. A Missão Austríaca, oportuna à sua vinda ao novo reino, foi de grande valia para o desenvolvimento cultural e científico do país, no entanto, pouco conhecida.

Chamada como “Mãe dos brasileiros”, recebeu inúmeras homenagens de gratidão durante sua vida no Brasil. Uma delas, feita por uma mulher brasileira, já senhora, recolhida ao Convento da Ajuda, foi publicada na imprensa no final do ano de 1822:

Imperatriz do Brasil
Quíz o povo Te eleger,
Pois dizes com Teu Esposo
Independência ou Morrer.”

Em 2 de setembro de 1822, Leopoldina, na presidência do Conselho de Estado, escreveu ao marido que já encontrava-se em São Paulo:

“Pedro, o Brasil está como um vulcão! (…) O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer. Leopoldina.” A obra abaixo, com o título “Sessão do Conselho de Estado”, é uma pintura de Georgina de Albuquerque (1922) e remete ao momento em que D. Leopoldina presidiu o Conselho de Estado junto aos ministros do governo dias antes de Dom Pedro proclamar a independência do Brasil.

Sessão do Conselho de Estado, 1922, Georgina de Albuquerque

O bibliotecário português, Luís Joaquim dos Santos Marrocos, sobre a personalidade de Leopoldina, relatou: “A sereníssima S. D. Leopoldina tem agradado em extremo a todos, mui discreta, desembaraçada e comunicável; fala além de sua língua o francês, inglês e italiano (…) Belas Letras (…) Mui fértil em conversação e mui aguda nas respostas.” Johanna faz menção de que a Imperatriz “sentiu, pensou e planejou brasileiramente”. Estas são apenas algumas das qualidades e apreço que o povo brasileiro reconhecia na Imperatriz, como diante da comoção nacional nos momentos de comemoração, a exemplo da coroação do Imperador Dom Pedro acompanhado da esposa, e mais tarde no apoio da população com intercessões pela vida de D. Leopoldina no período da doença a qual não resistiu e a levou à morte em 11 de dezembro de 1826.

No ano de 1822, próximo de Dom Pedro e de Leopoldina estava José Bonifácio de Andrada e Silva. Brasileiro, nascido em Santos (SP) em 1763, com pouco mais de 17 anos mudou-se para Lisboa onde cursou faculdade em Coimbra, nas áreas de Filosofia Natural e de Direito. Destacou-se na área acadêmica (sua maior afinidade era mineralogia), chegou a participar de combates contra as forças de Napoleão e então, após 39 anos longe da pátria, em 1819, retornou ao Brasil aos 56 anos de idade. Bonifácio tornou-se deputado pelo estado de São Paulo, liderou comissões de governo até chegar ao então regente, Dom Pedro I, no dia 9 de janeiro de 1822 (Dia do Fico). O príncipe, após ouvir as comissões das diversas províncias — São Paulo entre as principais- acerca da vontade do povo em separar o Brasil de Portugal, organizou ministérios e deu a José Bonifácio o cargo de ministro em pastas do reino e de negócios exteriores.

Amigo de D. Leopoldina, compartilhava do gosto pelo estudo das ciências naturais e mineralogia, além da concordância sobre o tema principal em questão: a liberdade do Brasil. José Bonifácio ainda descreveu a Imperatriz como “a discreta casca de Leopoldina envolve um núcleo valioso. Ela possui um discernimento claro e íntegro da situação do nosso país.”

“Patriarca da Independência”, José Bonifácio de Andrada e Silva, entre 1858 e 1861, por S. A. Sisson

Outras duas personalidades, os freis Francisco Antônio de Arrábida e Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, tiveram participação ativa no processo de independência. De ordem espiritual, por pertencerem a então conhecida “Casa da Sabedoria”, ou, Convento de Santo Antônio, influenciaram de forma direta as vidas dos príncipes, tanto por serem diretores espirituais, quanto por vezes serem voz da população fluminense, como foi o caso do frei Sampaio que redigiu resposta ao príncipe regente em 29 de dezembro de 1821 e dizia:

“(…) Na crise atual, o regresso de S.A. Real deve ser considerado como uma providência inteiramente funesta aos interesses nacionais de ambos os hemisférios (…) o povo julga que se faz mais necessário, para a futura glória do Brasil, que S.A. Real visite o interior deste vastíssimo continente desconhecido na Europa Portuguesa (…).”

O frei Francisco Antônio de Arrábida, português, acompanhou D. João na transferência da Corte de Portugal ao Brasil, e desde então foi conselheiro de Dom Pedro e seu professor de literatura e latim. O frei Sampaio teria ganho mais proximidade aos príncipes por meio do frei Arrábida. Abaixo, pintura de Nicolas Antoine Taunay, do ano de 1816, demonstrando a vista do Convento de Santo Antônio para a baía de Guanabara (RJ).

Vista do Convento de Santo Antônio, 1816, por de Nicolas Antoine Taunay

Dom João, Dom Pedro e Dona Leopoldina foram a base de um reino. José Bonifácio e os freis permaneceram firmes em demonstrar a vontade das províncias e a necessidade da população em resistir às cortes portuguesas; a não voltar atrás da convicção que estava sendo formada ao vislumbrar a possibilidade de reinar como nação, com governantes em que tinham a confiança necessária para emancipar o Brasil.

João, Pedro, Maria. Muitos foram os rostos que fizeram a independência. Não caberiam num retrato. Não podem ser lembrados em uma pintura, mas foram multiplicados e estão sendo eternizados pela bravura. Após 200 anos da Independência, geração após geração continua a jurar, pela sua honra e pelo temor que tem a Deus, em manter a liberdade do Brasil que agora é seu.

Fernanda Parcianello

  1. Pedro: A história não contada, Paulo Rezzutti;
  2. Leopoldina: A história não contada, Paulo Rezzutti;
  3. Imperatriz Leopoldina do Brasil: A contribuição da casa Habsburg- Lothringen e da cultura austríaca ao desenvolvimento do Brasil durante a Monarquia no século XIX;
  4. Os pilares da Independência do Brasil, Evandro Fernandes Pontes;
  5. Cartas de Pedro a seu pai Dom João, Edição preparada por Egenio Egas;
  6. José Bonifácio é o patriarcha da Independencia do Brasil, Lellis Vieira;
  7. As relações entre a Áustria e o Brasil, Ezekiel Stanley