Porém, o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar”.
Trecho da carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei D. Manuel em 1º de maio de 1500 sobre a terra descoberta.
Conhecer e transmitir às gerações que estão por vir as virtudes e glórias dos antepassados é não apenas honrá-los, mas também uma prova de amor pelos filhos que não os conheceram pessoalmente.
Pela simples recordação dos feitos realizados por grandes homens, indivíduos são induzidos ao bem e convencidos a melhorarem suas vidas. Com este propósito, neste texto, trago uma parte da história de São José de Anchieta, o apóstolo do Brasil.
José de Anchieta nasceu em São Cristóvão de Laguna, em Tenerife, Ilhas Canárias, Espanha, no dia 19 de março de 1534, dia da festa de São José. Desde pequeno demonstrou vocação para ser religioso e assim que terminou os primeiros estudos, foi enviado com seu irmão para estudar na Universidade de Coimbra.
Em Coimbra, fez o seu voto de castidade pessoal, consagrando-o à Nossa Senhora, tempos depois, como estudante universitário conheceu a companhia de Jesus. Tinha 18 anos incompletos, quando começou a 1º de maio de 1551 o noviciado na Companhia de Jesus, os jesuítas eram recém fundados (1534).
Antes mesmo de se tornar jesuíta, Anchieta participava de muitas missas. Como noviço, ajudava 6 ou 7 celebrações por dia, por pura devoção. Isto fazia com que ficasse muito tempo de joelhos, tinha uma saúde frágil e o seu problema de saúde foi agravado, segundo alguns cronistas da época, depois de um acidente que lhe resultou numa deformação da coluna.
Enquanto isso, o Padre Manuel da Nóbrega, chefe da primeira missão jesuítica à América, via uma grande necessidade em aumentar o número de jesuítas no Brasil e informava ao provincial de Portugal que poderia enviar todo jesuíta com qualquer problema, pois o clima no Brasil era bom e eles ficariam sadios.
Anchieta foi aconselhado então a se lançar além mar, acolheu tal situação como uma determinação divina e em 8 de maio de 1553, saía de Lisboa num grupo de mais de seis religiosos.
Durante a viagem, foi logo percebida a melhoria de saúde, sua vocação de missionário aflorava a cada dia, Anchieta cuidava de seus companheiros doentes com enjôo pelo mar revolto e pregava aos mareantes no convés do navio. O seu santo apostolado já se iniciava mesmo antes de aportar em terras brasileiras.
Foram 2 meses de viagem até a chegada ao Brasil.
Quando desembarcou na Bahia, a 13 de julho de 1553, Anchieta mostrava aparência sadia, pronto para todos os desafios que o esperavam nestas terras.
Os primeiros missionários jesuítas fundaram a Casa da Companhia na Bahia e alguns deles andavam em suas missões nas capitanias de São Vicente, Recife, Porto Seguro e Espírito Santo. Depois da chegada de Anchieta, a Casa da Companhia foi transformada em um colégio.
Pouco tempo passou e logo José de Anchieta partiu para São Vicente e em 25 de janeiro de 1554 fundou, junto a Manuel da Nóbrega, um Colégio na Vila de Piratininga, este colégio deu origem à cidade de São Paulo. Interessante ressaltar o quão bela é a fundação de nossa maior cidade, que nasceu de um Colégio que privilegiava a integração entre os povos e a oração.
Escolheram fazer o colégio num lugar que pudessem tirar os índios de seus costumes pagãos exemplarmente e dar atenção aos próprios europeus colonizadores que estavam lá, assim, ambos teriam uma assistência espiritual melhor, pois havia o entendimento que no litoral isto seria mais difícil, então foram para o interior.
José de Anchieta nesse período fez um trabalho incrível de magistério tanto a seus companheiros, preparando-os para o sacerdócio, quanto aos indígenas. Ouvia e falava com as crianças aprendendo a língua tupi, que era a língua que se falava de uma maneira geral naquela época. De todos os indígenas, os tupis tinham maior facilidade de compreensão ao que era ensinado pelos jesuítas.
Num prazo de 3 anos aprendeu Tupi tão bem que escreveu uma gramática.
Percebendo que os índios eram muito afeitos à música , Anchieta compôs várias cantigas em Tupi falando de Jesus e Maria, passou também a fazer peças de teatro. Foi um grande exemplo de que para ensinar não se precisa grandes recursos e sim dedicação, perspicácia e criatividade.
Muitos acusavam os jesuítas de batizarem os índios de maneira indiscriminada, porém, há relatos que mesmo quando os índios entusiasmados com a pregação pediam o batismo, eles não o concediam facilmente, queriam a segurança de que os índios não voltariam a seus costumes pagãos, existia um período de provação para que os indígenas mostrassem a sua verdadeira vontade de conversão.
Entre os anos de 1555 e 1624, o Brasil foi alvo de invasões estrangeiras promovidas por franceses e holandeses que tentaram, em várias ocasiões, se estabelecer em partes do território colonial brasileiro.
No final de 1555, o capitão francês chamado Nicolau Durand Villegaignon fundou uma fortaleza, o forte de Coligny em uma pequena ilha na baía da Guanabara, chamada de ilha de Seregipe pelos índios tamoios e posteriormente chamada ilha de Villegagnon. Vieram com o objetivo de formar a França Antártica. Desde então, os franceses procuraram se aliar aos índios.
Há relatos que nestes tempos não andavam em bons termos as relações entre os índios desta região e os portugueses, por serem estes, por muitas vezes, de trato rude. Os franceses, por saberem dessas desavenças, utilizaram-se de política de boa vizinhança, só os interessava o pau-de-tinta, o algodão, as penas, as aves e os animais raros.
Na época, os portugueses não tinham tropas para combater essa invasão, então se utilizaram das hostilidades existentes entre as tribos para a contenda. Do lado dos portugueses existiam os Tupi e do lado dos franceses havia uma série de outras tribos que posteriormente receberam o nome de Confederação dos Tamoios.
Um tempo depois, este combate passou a ser religioso também, pois muitos franceses eram protestantes. Os padres jesuítas, querendo paz, propuseram uma trégua da seguinte maneira: 2 tamoios com os portugueses e 2 padres jesuítas com os tamoios. Lá foram José de Anchieta e Padre Manuel da Nóbrega a ficarem reféns dos tamoios na praia de Iperoig, atual Ubatuba.
Os índios eram bastante agressivos, inclusive devido ao canibalismo, mas os religiosos conseguiram em princípio convencê-los que estavam com uma proposta de paz. Os Tamoios passaram então a querer agradar e ofereciam suas filhas, mas eles rejeitavam, o que os índios não compreendiam. Eles começaram a catequizá-los, muitos quiseram ser batizados, porém apenas os moribundos recebiam o sacramento.
Foram três meses sozinho, pois num determinado tempo, quando a primeira declaração de paz já não se sustentava, foi preciso que o Padre Manuel da Nóbrega se ausentasse da tribo para fazer outras negociações em São Vicente, deixando José de Anchieta com os índios.
Para superar aquela situação, sozinho numa tribo hostil, em meio às tentações de indias nuas a seu dispor aos 29 anos, ele prometeu que escreveria a vida de Nossa Senhora em versos em Latim se saísse vivo e casto daquela situação. Compôs o mais longo poema em Latim dedicado a Nossa Senhora. O poema tinha mais de 5700 versos.
Não dispondo de tinta nem papel, ele escrevia na areia da praia e memorizava, vinham as ondas e apagavam seus escritos e desta forma foi guardando os 5786 versos. Os versos não eram só poemas, mas sim orações, versos dirigidos à Virgem Maria.
Depois que terminou a questão da prisão em Iperoig, Anchieta foi para a região do Rio de Janeiro junto à Estácio de Sá, que era sobrinho do governador geral do Brasil, Mem de Sá. Reuniram uma pequena tropa de índios e portugueses para lutar contra franceses e tamoios. Fizeram o primeiro acampamento atrás do Pão de Açúcar e ali iniciou a fundação da cidade do Rio de Janeiro.
Entre os vários confrontos houve um em especial, foi a batalha das canoas. Estácio de Sá com 8 canoas conseguiu vencer 160 canoas de tamoios.
Conta a tradição que houve uma explosão de pólvora na canoa principal e os índios Tamoios se apavoraram e bateram em retirada, além disso os tamoios avistaram um soldado que passava de canoa em canoa.
Este soldado foi identificado como São Sebastião. Interessante que o Rio de Janeiro nasceu de uma contenda entre portugueses e Tupis contra franceses e Tamoios, batalhas que, segundo relatos, tiveram características inclusive religiosas.
Nos 44 anos em que viveu no Brasi,l há muitos relatos de sua santidade, alguns índios contavam que ele se deslocava voando,chamavam-no de Caraibebé – o homem de asas. Foi apelidado de primeiro Adão.
Ele dizia que um homem temente a Deus tinha todas as criaturas subjugadas. Conseguia dominar os animais, o que foi testado por várias pessoas causando inúmeras conversões. Mas o mais impressionante era a capacidade que ele tinha com os índios. Na prisão, várias vezes ele dissuadiu os índios da vontade de matá-lo.
Existiam duas formas missionárias seguidas por José de Anchieta. Durante uma época do ano, visitava as aldeias que já estavam evangelizadas mas também havia incursões continente a dentro para evangelizar índios.
Usava sua batina surrada, mas não usava sapatos, andava descalço.
Muitas vezes seus pés estavam tão castigados que deixava rastros de sangue. Quando adentrava o continente, caminhava com o rosário no pescoço, uma cruz na mão, um cajado e uma trouxa onde carregava os objetos necessários para rezar a missa. Foi ordenado padre com 32 anos na Bahia, antes disso ajudou na preparação de inúmeros irmãos.
Em seus últimos dias de vida, recolheu-se na aldeia de Reritiba, Espírito Santo, e faleceu em 9 de junho de 1597, aos 64 anos de idade. Houve muita comoção na tribo.
Apesar de toda a santidade da vida de José de Anchieta, ele foi canonizado apenas em abril de 2014, foi um dos mais demorados processos de canonização.
Taumaturgo, dramaturgo, poeta, autor da primeira gramática da língua tupi, um dos primeiros autores da língua brasileira, personagem importante nas fundações das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foram tantos os campos de atuação de São José de Anchieta que não é surpreendente que além do alcunho de Apóstolo do Brasil há também quem o chame de Patrono da educação brasileira.
Referências:
1- Tomas, Joaquim (2020). Anchieta: o Apóstolo do Brasil – Dois Irmãos, RS: Ed. Minha Biblioteca Católica.
2- Rodrigues, Pero (2021). Vida do Padre José de Anchieta – Campinas, SP: Ed. Livre
3- Leal, Antonio Henriques (2012). Apontamentos para a História dos Jesuítas no Brasil – Ed. Senado Federal
4- A vida de São José de Anchieta – Padre Paulo Ricardo
5- São José de Anchieta: Fundador da Terra de Santa Cruz / Edmilson Cruz
Parabéns escritora Flávia Brant. Excelente texto! Maravilhosa aula de História!
Parabéns escritora Flávia Brant. Excelente texto! Maravilhosa aula de História!
Parabéns a escritura Flávia Brant, pelo belo texto e ter pesquisado e resumido um pouco da história de José de Anchieta e do Brasil colonial. Não tenho certeza mas me é parece de ele andou por estes lados do litoral de Magé.
Parabéns, escritora Flávia Brant pela bela pesquisa e os dados históricos do seu texto. Conhecia São José de Anchieta das aulas de história e achei muito interessante conhecer mais sobre ele. Obrigada por compartilhar o seu texto! Parabéns!
Excelente texto! Gostei muito.
Gostei do texto dobre José de Anchieta.
Mas não encontrei a passagem do Padre Anchieta no Município de Mage.
Aqui existe toda uma tradição em homenagem a este Padre.
Tanto que várias Missões de Roma (Vaticano) aqui estiveram..
Esta bacana o trabalho.
Ficou faltando somente o Milagre de Padre Ancieta em Mage., reconhecido pelo Vaticano.