Muito do desespero daqueles que testemunham o governo ser tomado por gente que não respeita a fé e os valores tradicionais de um povo vem da crença de que a nação é um ente místico, um corpo espiritual composto de homens e instituições. Boa parte da ideia patriótica é oriunda da crença de uma existência ontológica do Estado.

Obviamente, pessoas que enxergam a nação como um corpo místico sentem que a tomada do poder por qualquer grupo que não seja o seu representa não apenas uma ameaça a suas vidas materiais, mas uma afronta ao seu próprio espírito. Para elas, se o centro do poder do país é mau todo o resto está, inapelavelmente, contaminado.

Essas pessoas ficam completamente desnorteadas ao se depararem com atos governamentais afrontosos, muitos deles até blasfemos. Em suas mentes, isso significa que o país (e não apenas o governo) está sendo conduzido por um caminho de perdição e sacrilégio. Elas ficam aflitas, pelo destino da nação, mas também por si mesmas, como parte que são desse corpo espiritual.

No entanto, sigo a visão de Ortega y Gasset, que entendia que uma nação não passa de um artifício, uma construção realizada por causa de determinadas circunstâncias e interesses. Nem o sangue, nem a filiação, nem a língua, segundo o filósofo espanhol, formam uma nação, senão uma comunidade de empresa e objetivos comuns. Não há, portanto, conforme sua perspectiva, qualquer unidade ontológica entre os indivíduos de um país, menos ainda entre eles e seu governo.

Ninguém pode negar que, criadas as nações, elas são capazes de formar tradições e cultura, despertar sentimentos de irmandade, gerar identificação e, inclusive, fazer nascer um amor e respeito por ela que leve as pessoas a sacrificarem-se em seu favor. No entanto, tudo isso não faz dela um ente espiritual. Ela continua sendo um artifício nascido de circunstâncias e interesses.

Sob essa perspectiva, um governo mau, corrupto e até maligno pode causar muitos estragos, suas ações podem ter efeitos desastrosos na vida de todos aqueles que vivem sob sua jurisdição, porém, isso não significa que essa malignidade e essa corrupção afetem seus cidadãos em sua interioridade. Governo e governados não possuem qualquer relação além das formais, daquelas determinadas pela lei. E a lei não é capaz de se impregnar no espírito.

Ninguém pode corromper uma nação porque uma nação existe apenas na concepção teórica e no papel, não na realidade. Menos ainda pode corromper os homens dessa nação, pois eles não possuem qualquer ligação (além da jurídica e da sentimental) com o país no qual nasceram e vivem.

Os homens são corrompidos por si mesmos e pela influência que sofrem, não por um contágio misterioso das forças que governam o país. Por isso, se o governo é mau, as pessoas não deveriam cair em desespero, pois sempre é possível manter uma reserva moral e espiritual, mesmo diante dos piores ditadores. A maldade governamental, no fim das contas, é um problema exclusivamente material, jamais do espírito.

Assista à aula do professor Fábio Blanco sobre o tema: