Christopher Henry Dawson (1889-1970), importante historiador cristão, em seu magnânimo volume intitulado “Os Deuses da Revolução”, observa o seguinte problema na formação do pensamento do século XVIII:

Ainda mais importante, contudo, foi o trabalho de Newton, a quem se deveu a consecução final dos esforços de Galileu e a conclusão da nova síntese física. Sua triunfante aplicação da Lei da Gravidade ao movimento dos corpos celestiais justificou a crença de Galileu no poder da matemática para resolver os enigmas do universo material e provou que as mesmas leis físicas eram válidas em todas as partes do Universo. No lugar da doutrina aristotélica de que os céus eram movidos por substâncias espirituais conscientes, cujo eterno movimento derivava de Deus, o motor imóvel, havia agora a concepção do mundo como uma enorme máquina, constituída por corpos materiais situados no espaço absoluto e movidos por leis mecânicas, físicas. As realidades últimas não eram mais substâncias e qualidades espirituais, mas Espaço, Matéria e Tempo¹”.

Também observa Wolfgang Smith em seu “Enigma Quântico”:

“Leitores de Eric Voegelin devem se lembrar de sua lúgubre tese que, devido à dominação das realidades segundas nos tempos modernos, o terreno comum da existência na realidade desapareceu e que, como resultado, o universo como discurso racional desmoronou. Parece haver muita verdade nessa argumentação. No entanto, Voegelin se refere a segundas realidades de tipo culturais e ideológicas; aparentemente não lhe ocorreu que a principal realidade segunda – a que escora todas as outras e que enfeitiçou a quase todos – não é nada mais que o universo físico, como concebido usualmente. No momento em que esquecemos que este chamado universo constitui apenas um domínio subexistencial – uma mera potência em relação ao corpóreo – criamos um monstro, pois, de fato, o domínio físico, assim hipostasiado, se transforma imediatamente no primeiro usurpador da realidade, na grande ilusão a partir da qual brotam inúmeros erros perniciosos. Não é pouca coisa perder o contato com a realidade²”.

Muitos leitores, deslumbrados com a ficção histórica entre a batalha de direita e esquerda – criações maçônicas da revolução que Christopher Dawson tanto relata em seu volume supracitado – acreditam que raciocinar acerca desses dois conceitos gerais é o suficiente para esgotar a discussão concernente ao movimento revolucionário. Seja por ausência de cultura literária ou por privação (no caso do Brasil), nossos leitores não têm a verdadeira dimensão da problemática que tanto possibilitou essa dicotomia e como ela é meramente instrumentalizada para que a revolução avance, ora violentamente ora sutilmente, disfarçada e sorrateira, assim como a Serpente no Jardim do Éden e sua língua bifurcada, para a perdição das sociedades e das almas humanas.

Não era comum, por exemplo, para um homem medieval, pensar numa engrenagem central como o Estado Moderno (no sentido do Leviatã de Thomas Hobbes), pois o poder temporal, limitado pelas várias autoridades dentro dos feudos, dos reinos e do império como um todo, não era um elemento estranho e indiferente às pessoas comuns como o é atualmente. Todo sistema da época foi estruturado como uma grande família. Cada membro tinha seu papel natural, não necessariamente delineado por uma autoridade central, mas por relações de confiança mútua intrapólis balizada pela Lei Natural objetiva. O corpus politicum, como dizia o Pe. Alfredo Sáenz, S.J.³, ordenava-se como se o macrocosmos fosse. Isto é, assim como Deus fez tudo no universo hierarquicamente e monarquicamente, analogamente, o microcosmo, que é o homem, é governado pela alma, simples e una, e conduzido pela autoridade de um único monarca. Complementando essas proposições pertinentes do Pe. Sáenz, para Platão – o filósofo da Kallipólis (Cidade Bela) —  há três regimes ótimos: a Monarquia (preeminência de um); a Aristocracia (o governo de pessoas de alta cultura e alta influência natural na pólis) e a Politeia (o governo com a participação dos membros da pólis em busca do bem comum). E suas respectivas possibilidades de corrupção: a Tirania (onde um corrompe toda a pólis transformando-a numa ditadura); a Oligarquia (onde o pequeno grupo de pessoas visa seus próprios interesses escusos) e a Democracia (a tirania das massas). Ortega y Gasset, o filósofo espanhol, fora o maior profeta da Rebelião das Massas neste caso. Esse terceiro regime, o pior das corrupções, tido por muitos teóricos modernos como um Ideal Messiânico a ser conquistado a todo custo na dialética da História, para Ortega y Gasset e tantos outros eruditos realistas, simboliza a Queda final do homem em seus piores enganos temporais. Substitui-se a ordem orgânica das sociedades para uma concepção indiferentista, completamente estranha às tradições percebidas à luz dos bons hábitos e dos costumes da Cidade, e implanta-se, de cima para baixo, praticamente pisoteando todo passado e experiências espontâneas, um monstrengo Espaço-Temporal (Leviatã e Beemote) a partir do Voluntarismo. Trocando em miúdos, não é mais a vontade natural do homem de organizar-se como Zoon Politikon através da apreensão das Virtudes pela razão natural que impera, mas a Vontade desprendida de toda sua ordem e absolutizada pelo mecanicismo. Não adequamos mais os movimentos coletivos à hierarquia natural criada por Deus, mas o Homo-Deus CRIA uma ordem a posteriori como se atomizado fosse. Se no ocidente clássico entendia-se que o homem era partícipe (metaxy platônica), na modernidade, é o Homem que remodela Deus à sua imagem e semelhança.

E contra esse estado de coisas a “direita”, pretensiosamente entendida como anti-revolucionária idealmente por diversos teóricos, em nada contrapõe. Pelo contrário, faz parte da engrenagem dialética, no sentido argumentado por Hegel, até a culminação utópica de uma espécie Estado Espiritual Ideal.

Talvez muitas pessoas estranhem ao ver apaniguados desse conceito político defendendo agendas como relativismo (que após seu sucesso torna-se absolutismo), abortismo, adequação de leis gayzistas, etc., dizendo-se “conservadores”. Aí devemos aplicar a genial frase do jurista-tomista Dr. Miguel Ayuso Torres: “Os conservadores são apenas conservantistas da revolução liberal”. A mentalidade conservadora moderna, de origem empirista, historicista e utilitarista, adéqua-se às situações atuais e ora usa do pensamento secular como norte ora tenta “sacraliza-lo” com um cristianismo meramente sentimental e passageiro. Em outras palavras, não há efetividade na Fé e em seus preâmbulos racionais. Como nos ensina o Doutor Comum, assim como o corpo deseja a alma, o intelecto, por ser potência para os inteligíveis, deseja o bem universal. Ora, quando falamos num Bem Universal ele não pode repousar na mera mutabilidade do tempo, mas na transcendência imutável, com efeito, no Ser. A autêntica Filosofia do Ser sistematizada por Santo Tomás, infelizmente, passa longe de muitos leitores da pretensa direita brasileira que, deslumbrada por chavões e frases de efeito, importa um modelo complemente contrário às nossas raízes e fatos históricos. Em síntese, podemos dizer: um pouco de Gilberto Freyre e espetinho de gato não faz mal a nenhum brasileiro, sabem?

Aprendam que o Brasil não é uma construção abstrata, sem vínculos concretos com seu próprio povo e sua própria história. Uma coisa é uma idealização de um projeto de sociedade pronta, uma outra completamente diferente é viver entre a complexidade das relações sociológicas de um país tão rico em cultura como o nosso.

É inadmissível, como houvera num caso real e recente como o da Menina K. termos, como dito, pretensos conservadores negando a lei natural objetiva e não entendendo, de forma alguma, todos os tentáculos envolvidos nessa ação maléfica para que uma vida inocente fosse ceifada sem à menor chance. É inadmissível tenhamos de ouvir de pretensos pró-vida que no caso em específico o aborto era LEGAL e NECESSÁRIO. Não tenho mais palavras para descrever tamanha absurdidade satânica.

Para não os cansar com essa critica insuportável ao senso comum mal aplicado, deixo-lhes apenas um apelo para que, despidos de seus vícios e conclusões prontas, possam refletir: havia um mundo antes do conservadorismo moderno estruturado para adequar-se aos momentos da revolução mundial? Quando se inicia esse estado de coisas caótico? Ou as coisas simplesmente caíram do céu e aconteceram porquê sim? Ainda continuaremos jogando a culpa dos fracassos humanos nas costas de Nosso Senhor Jesus Cristo como se estivéssemos no Jardim das Oliveiras ou nos contentaremos com o drama do Jardim das Aflições passando um verniz “conservador” para o deleite das nossas paixões desenfreadas e por uma busca utópica do “paraíso na Terra”?

Reflitam! Pode doer um pouquinho no início. Mas é como levar uma dura do pai irado na adolescência: nós queimamos de raiva no início entretanto o ganho é eterno!

 

– Daniel Ferraz – Proeminente estudioso do movimento revolucionário global e da tradição da Santa Igreja Católica. É apresentador no Canal Daniel Ferraz no youtube.

 

 

AD MAJOREM DEI GLORIAM!

 

¹ “Os Deuses da Revolução” – Christopher Dawson (p. 57)

² “O Enigma Quântico” – Wolfgang Smith (nota de rodapé 72)

³ “A Cristandade e sua Cosmovisão” – Pe. Alfredo Sáenz S.J