O PHVox depende dos membros assinantes. Conheça os benefícios, Assine!
Publicado originalmente em dezembro de 2006 no Mídia Sem Máscara
“Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, ninguém contra o Estado”
Benito Mussolini
“Apesar de nossas modernas Constituições, a república continuou sendo governada para proveito dos poderes públicos que substituíram o poder real”.
Juan Bautista Alberdi
A Nomenklatura, legítima sucessora da Corte, vai à farra e se diverte. Ministros do Supremo querem aumento dos seus já opulentos salários, Deputados e Senadores usam de seu poder legislativo para aumentar os seus, o Ministério Público, compreensivelmente, quer equiparação com quem ganhar mais, artistas e esportistas brigam entre si por mais verbas e rastejam vergonhosamente como reles cortesãos nos palácios majestosos da capital do Império, provando que sem Estado, necas de cultura ou esporte. Não nos iludamos, em breve serão os Legisladores estaduais e municipais que terão aumento proporcional automático, os juízes de outras entrâncias, os professores das Universidades Imperiais. Até o Ministro do Caos Aéreo já fala que está ganhando pouco para desarranjar o que funcionava até há pouco. Talvez a medalha de ouro da desfaçatez deva ir para o Prefeito do Rio, o factóide César Maia: tendo sido criado pela Lei n.183 de 23 de outubro de 1980, outra inutilidade, um tal de Tribunal de Contas do Município, já pensa em se auto-nomear para ele. Salário? Nada menos de R$ 20.000,00. Outra vantagem: vai julgar as contas de sua própria gestão, pode?! Isto sem falar da farra dos onipresentes mamutes estatais que só existem para distribuir benesses para seus próprios funcionários e apaniguados – entre os quais também artistas, intelectuais orgânicos e esportistas – cada vez mais ávidos e sedentos de mamatas, levando a que o Estado se torne onipotente, ilimitado, sem nenhuma restrição e abranja tudo o que pertence à Nação. Acrescente-se as ONG’s milionárias às custas dos cofres supostamente públicos, mas privatizados pela Nomenklatura que as engloba e por elas é englobada, e os beneficiários de “indenizações por motivos políticos” que são legião. Dizia Hayek que “são os ilimitados poderes (do Estado) que impedem que o Governo se negue a outorgar privilégios arbitrários, resultando assim no poder ilimitado mas também, paradoxalmente, débil e corrupto, joguete dos grupos de pressão e de interesses, aos quais precisa cortejar para obter e conservar seus favores”.
Um século antes já demonstrava Alberdi: “Até aqui o pior inimigo do país foi a riqueza do fisco. Somos países de complexidade fiscal, povos organizados para produzir rendas Reais. Depois de ser máquinas do fisco Espanhol” – e, acrescento eu, Portugal – “passamos a sê-lo do fisco Nacional esta é toda a diferença. Sempre máquinas servis de produção de rendas que jamais chegam (de volta) porque a miséria e o atraso nada podem render” (Sistema Económico y Rentístico de la Confederación Argentina). Como o direito e a economia são correlatos e interdependentes, toda aberração econômica estatal leva a uma deterioração da ordem jurídica, fato que estamos presenciando todos os dias, principalmente na atuação irresponsável dos magistrados em benefício dos próprios bolsos – e bolsas. Se ao poder político agrega-se o econômico, chega-se ao poder onímodo que ameaça todos os direitos, todas as liberdades individuais e compromete o cerne do próprio Estado de Direito. As máquinas de produção de rendas são os cidadãos de segunda classe que se esfalfam para sustentar a gula dos cidadãos de Primeira Classe, da Nova Classe ou Nomenklatura ou dos “porcos mais iguais dos que os iguais”, apud Orwell. A deterioração da ordem jurídica pode ser exemplificada pelo fato de que, enquanto uma doméstica desempregada – talvez nem seja considerada de segunda classe, mas uma Não-Pessoa – é condenada a quatro anos de prisão em regime semi-aberto por ter roubado 200 g de manteiga, quantos cortesãos mensaleiros, sanguessugas, portadores de dólares em jatinhos, cuecas e que tais, estão atrás das grades ou ao menos pagaram alguma multa por suas falcatruas? Mas uma Não-Pessoa, que não paga impostos porque nada produz e o pouco que consome lhe é doado, não pode pretender se equiparar aos cidadãos de Primeira Classe, é óbvio. Enquanto isto o salário mínimo, ó!, como dizia o Professor Raimundo.
É perfeitamente cabível aumentar desavergonhadamente os “vencimentos” dos Ministros do STF, e quase dobrar (92%) o dos Deputados e Senadores quanto ao salário mínimo, acirra-se a discussão ridícula se deve ser de R$ 367,00 ou R$ 375,00! Claro, tudo para não onerar a Previdência e prejudicar as astronômicas aposentadorias e pensões especiais da Nova Classe. Os últimos recebem “vencimentos”, o povão e os de Segunda Classe, salário ou honorários. Isto para não falar do estado calamitoso de saúde, educação, estradas, serviços públicos em geral. Diferentemente da aristocracia, cega por sua arrogância e petulância, a estatocracia é mais inteligente e aprendeu com a experiência: ao invés de mandar o povo comer brioches, distribui ela mesma os brioches, o cala-a-boca chamado Bolsa-Família e otras cositas más! Ah, se Maria Antonieta soubesse disto teria conservado sua desmiolada cabecinha por mais tempo sobre os ombros. A quase extinta Segunda Classe – antes chamada Média – fica contentinha com baixa inflação e controle ortodoxo da economia que lhe permite fazer as compras de Natal com certa tranqüilidade – ao menos até chegar a conta. Mas, e os empresários não são por definição inimigos do Big Government, que atrapalha seus negócios? Conversa fiada. A rivalidade entre Big Government e Big Business não passa de um mito, pois a história dos grandes negócios é a mesma história dos grandes governos. A suposta rivalidade não passa de um engodo, pois “quanto mais o governo cresce e se torna mais abrangente, toda nova regulamentação, taxação e gastos se fazem a favor de algum grande negócio”, como demonstra Timothy P. Carney do Cato Institute em seu artigo Big Business and Big Government, (Policy Report, vol. XXVIII #4). E acrescenta: “Quando os negócios seguem as regras sujas da política, os cidadãos médios são extorquidos”. Lembram do “fim da farra dos importados” de Dom Fernando II, para ceder às pressões do empresariado nacional? E do PROER? O segredo foi tardiamente descoberto por Lenin que teve que lançar sua Nova Política Econômica e depois seguida à risca por Hitler e Deng Xiaoping: garanta lucros fáceis aos empresários, mas atrele-os aos empréstimos e dádivas do Estado e eles fabricarão a corda com que os enforcaremos. Basta ver a impressionante lista de doações milionárias à campanha de Lula por parte de empresários que posam de liberais.
Abordei melhor este tema em meu artigo “Sócios no Crime”. Enganam-se os leitores que pensarem que este é mais um artigo contra Lula e o PT. Se Dom Lula II perdesse para Dom Geraldo I seria exatamente a mesma coisa, pois estes todos não são causa de nada, mas conseqüências de práticas políticas que vêm desde o período colonial, o Reino e o Império. A primeira e mais durável estatal do país, o Banco do Brasil, foi fundada por Dom João VI. A tênue esperança de um desenvolvimento liberal que ocorreu com os presidentes civis da Velha República foi enterrada de vez pela ditadura Vargas e seu populismo hipócrita. Ironicamente, foi no período dos três primeiros governos militares (Castelo, Costa e Silva e Médici) que voltou a florescer de forma tênue a possibilidade de um Brasil liberal, logo novamente soterrada por Geisel. Na Nova República só houve um esboço de desregulamentação e privatização com Collor que foi derrubado por isto mesmo e, de 92 para cá, cada vez mais nos enterramos em montanhas de impostos para sustentar uma Nomenklatura cada vez maior e mais voraz. A diferença da atuação do PT e, em grande parte também do PSDB, é o direcionamento destes volumes de dinheiro para um projeto de perpetuação no poder, como já abordei aqui neste jornal em “O Incorruptível PT”, .
É POSSÍVEL REVERTER ESTA PATOLOGIA?
Isto já é assunto para um outro artigo. Posso adiantar que não vejo como. Depois de entranhada a estatolatria na população e com um sistema em que impera a vontade da maioria que cada vez quer mais e paga mais e vê a única saída para tudo no governo, é quase impossível. Marian L. Tupy nos informa que na Europa do Leste, após uma grande euforia com a queda do comunismo, a população se volta novamente para o populismo de esquerda por não agüentar as responsabilidades inerentes a um sistema econômico liberal (The Rise of Populist Parties in Central Europe, Cato Institute, Development Policy Analysis, Novembro de 2006). Diz ela: “Falsas privatizações minaram os valores que são os fundamentos morais do capitalismo, inclusive trabalho duro e empenho” – alguma semelhança com o reino de Dom Fernando? Para ela, o problema real é que o processo de transição não foi suficientemente rápido. Com a plenitude democrática – entendida como o reinado absoluto da maioria – que temos aqui será difícil convencer o povo de que qualquer mudança é necessária. Nos países desenvolvidos a democracia é secundária primário são os direitos e liberdades individuais. Precisaríamos jogar no lixo não só a última mas todas as Constituições anteriores e começar do zero, primeiro definindo os direitos e deveres individuais e depois fazendo uma Constituição que os tenha como limite sagrado. É ainda Alberdi quem diz (1880): “Quando o povo das sociedades anglo-saxônicas necessita de uma obra ou melhoramento de interesse público, os homens olham uns para os outros, se reúnem, discutem, se põem de acordo e põem mãos à obra eles mesmos (…) Nos povos de origem latina, por sua vez, quando há necessidade de algum melhoramento elevam os olhos ao governo, esperam tudo de sua intervenção e, como resultado, ficam sem água, sem luz, sem comércio, sem pontes, sem cais”. Dá para lembrar do nosso Brasil 136 anos depois?
Se não tivesse o valor do salário mínimo nesse texto, eu jurava que teria sido escrito hoje, atualíssimo, mesmo tendo passado quase 17 anos.
Há quanto tempo estamos vivendo nessa mediocridade. Quando gerações nascem e crescem sem ver algo diferente disso é preocupante, pois corremos o risco de achar que o que vivemos, antes e agora, é algo normal em qualquer país.