Há vários séculos, os sinos têm tido a sua função própria nos mais variados contextos. Os sinos existem há centenas de anos, e a fundição de sinos começa já nos primeiros séculos do Cristianismo, pois eram necessários para destacar certos momentos na Liturgia que se celebrava. Instalados às vezes em torres separadas do prédio da igreja, e geralmente formando um conjunto harmônico de notas musicais, eles são até hoje usados para várias finalidades, como por exemplo: chamar os fiéis para a Santa Missa, anunciar festas litúrgicas e acontecimentos da vida eclesial, festejar os Sacramentos, marcar momentos específicos da liturgia católica, ou até mesmo simplesmente marcar as horas. Via de regra, entre os católicos, a prática de tocar os sinos está sempre em acordo com uma unidade de culto, de devoção e de fé. Fabricá-los era uma profissão tida como arte, a qual desenvolveu-se muito, a ponto de ser possível produzir certos timbres específicos, notas musicais determinadas e diferentes melodias. Dizia-se que, quando reinava a paz, fabricavam-se sinos, e quando havia guerra, fabricavam-se canhões.
Pois, bem, quando eu soube que houvera, no dia 12 de outubro passado, a reza de um Rosário pelo Brasil e contra o Comunismo, e que falara-se de uma consagração do nosso país a Nossa Senhora diante da Basílica Antiga de Aparecida, em São Paulo, procurei então informar-me sobre o assunto, imaginando já a beleza do toque dos antigos sinos que teriam saudado os fiéis e homenageado a Mãe de Deus. Assistindo a um dos vídeos que registraram o evento, pude perceber, em muitos dos que ali estavam, empolgação por causa da anunciada presença de nosso Presidente da República — presença que acabou não se confirmando. Aglomeração política? Não, absolutamente! Seria um tremendo equívoco afirmar que toda aquela gente estava ali unicamente por motivos políticos, por mais elevados que fossem. Assim, jamais poderia eu imaginar que os sinos daquela nobre igreja — que, recordemos, são abençoados — pudessem ser utilizados para um propósito tão misterioso como o que foi ali levado a efeito. Aqueles sinos não foram fabricados para celebrar, entre tantas coisas, a reunião dos fiéis católicos em oração? Pelo que se vê no vídeo e pelo que se sabe do testemunho dos que estavam ali presentes, as mãos que acionaram os sinos pareciam, contudo, querer abafar as vozes dos fiéis, que hesitavam em começar a reza do rosário, tal era a dificuldade de ouvirem a si mesmos, sob os implacáveis disparos sonoros do carrilhão. As várias centenas de pessoas que acorreram ao local, devotos de Nossa Senhora Aparecida — desejando pedir bênçãos à Mãe de Deus e nossa, proteção contra o Comunismo e graças particulares —, teriam sido consideradas “filhos bastardos”, indignos de venerar a Virgem Maria? Por que badalaram em um momento absolutamente inoportuno — segundo várias testemunhas nas redes sociais, por mais de 30 minutos — aqueles sinos? Algum fiel, com certa impaciência, desejando que fosse logo dado início à reza para a qual tantos estavam ali, poderia perguntar-se, parafraseando o título do romance de 1940 do escritor norte-americano Ernest Hemingway: “por quem os sinos dobram”?
Aliás, o enredo desse romance de Hemingway tem como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), tão comemorada por comunistas de todas as épocas. Em seu livro publicado neste ano de 2022, intitulado “Inspirados por Satanás”, o Padre espanhol Jorge López Teulón transcreve o relato do — também espanhol — pintor, professor e historiador de arte, Adelardo Covarsí (considerado pela crítica especializada como um dos grandes mestres da pintura extremeña), sobre o impacto sofrido ao entrar no templo paroquial de “Casas de Don Pedro”, na cidade de Badajoz, após o final da guerra: “A impressão foi fatal, de grande emoção, especialmente à vista do templo paroquial totalmente desmantelado, sem o menor vestígio do magnífico retábulo que tanto me preocupava. Tudo se perdeu, encontrando-se apenas alguns restos de suas pinturas cravados no piso de um cenário existente na Casa do Povo, tendo sido cortadas as notáveis tábuas em pedaços da maneira como àqueles bárbaros lhes conviera, para o uso infame que lhe deram” (em tradução livre do espanhol — Editorial San Román, pág. 486). É contra esse tipo de violência que estavam os fiéis reunidos para orar, diante da Basílica Antiga de Aparecida. Estavam ali para rezar contra o Comunismo, destruidor de tudo quanto é abençoado e sagrado!
Os sinos da venerável igreja de Aparecida não foram destruídos, é verdade, mas — pergunto-me — teriam sido pervertidos naquela tarde? Ora, a perversão é também característica dos comunistas! Aqueles sinos abençoados teriam sido de tal maneira desviados, por mãos perversas — ou que, ao menos, estavam obedecendo a uma ordem perversa —, do propósito original de sua fundição a ponto de serem usados para, senão impedir, ao menos obstaculizar uma reza do rosário que tinha como uma de suas intenções públicas mais notórias a súplica por proteção contra as agressões que o Comunismo perpetra reiteradamente contra o povo de Deus e a fé católica? Não há provas, mas há indícios…
O título do romance de Hemingway foi tirado de um escrito do poeta inglês John Donne (1572 – 1631), deão da Catedral de São Paulo, em Londres, e considerado o principal representante dos poetas metafísicos: “Nenhum homem é uma ilha, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio. A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.
Naquela praça do interior do Estado de São Paulo, no dia 12 de outubro, todos eram brasileiros, mas pareceu que alguns queriam arrastar outros para o mar, para diminuí-los, como alude o poema citado há pouco. Acontece, porém, que a Rainha de todos nós, a Padroeira do Brasil, justamente veio das águas — ainda que não das do mar —, aparecida, e não permitirá — a não ser por motivo de nossa desobediência e de nosso pecado — que os sinos dobrem senão pelos que colocam-se ao lado de Deus na aterradora batalha espiritual pela qual passa hoje o Brasil.