Em tempos como os nossos, onde se houve tanto falar em guerras, em terrorismo, em ódio, em liberação do aborto, e em tantas outras situações dramáticas e concepções diversas sobre o ser humano, acabamos por nos perguntar qual é o sentido da vida. Há quem diga que o sentido da vida está contido na própria vida, mas esse raciocínio é falho, porque apresenta uma falha de lógica. A causa não pode estar contida no efeito. Ela tem de existir independentemente do efeito, para que seja efetivamente a causa. A tendência moderna de dizer que “o sentido da vida é viver” não se coaduna com a concepção católica de vida humana.

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Santo Agostinho, no início de suas “Confissões”, declara: “Pois eu não existiria, meu Deus, eu de forma alguma existiria, se não estivesses em mim. Ou melhor, eu não existiria se não existisse em ti, de quem tudo, por quem tudo, em quem todas as coisas existem?”. Assim, é Deus quem dá sentido à nossa vida, e isso o confirma, por exemplo, São Paulo, quando diz: “Na verdade, tudo é dele, por ele e para ele” (Rm 11,36), e “para nós, há um só Deus, o Pai, do qual tudo provém e para o qual nós existimos. Para nós também existe um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual tudo existe e nós igualmente existimos por ele” (1Cor 8,6).

Assim, é indispensável encontrar-se com Deus para que nossa vida se preencha de sentido. E como promover esse encontro? Através da oração. Precisamos rezar, precisamos crescer na vida de oração. Mas o que é rezar, e como devemos rezar? Bem cedo na catequese, aprendemos que a oração do Pai-Nosso, por exemplo, surgiu de um pedido dos discípulos a Jesus: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1).

Crescer na vida de oração é crescer no amor. Há quem pense que a oração limita-se a momentos de elocubração mental, intelectualismo, ou descoberta de segredos ocultos. Como se enganam! Mais do que pensar muito, orar é amar muito. O conceito de oração é “a elevação da alma a Deus”, e para isso é necessário preparar-se. Uma frutuosa preparação exige um “encontrar-se consigo mesmo”, ou seja, apaziguar-se, respirar fundo. Não se trata de nenhuma técnica transcendental, mas é uma questão de recordar que temos um corpo, que precisa livrar-se da pressa, da irritação, da ansiedade, entre outros obstáculos. É preciso agir com a vontade e a inteligência, dizendo a ti mesmo que crês na presença de Deus, porque a solicitaste, convencendo-te de que Ele aceita ouvir-te. Caso contrário, não haverá oração. É oportuno, portanto, fazer um ato de fé antes da oração.

Após a preparação, devemos enfim elevar a alma a Deus, e isso é a oração propriamente dita. A nossa alma move-se pelas faculdades do intelecto e da vontade. Nossa inteligência pode ser “iluminada” por dois tipos de luzes: a luz da razão e a luz que vem de Deus. É necessário pedir ao Cristo Senhor que ilumine a nossa inteligência para que possamos nos aproximar da compreensão dos mistérios divinos. Nessa elevação não nos apoiamos em algo desconhecido; pelo contrário, apoiamo-nos naquilo que conhecemos para que, pela iluminação de Deus passemos do simples conhecimento até a experiência de entendimento das coisas de Deus, e assim sejamos alimentados espiritualmente.

A vontade é um apetite racional, que nos torna capazes de inclinar o nosso interior numa determinada direção. Vendo o amor de Cristo por nós, “queremos” amar Cristo em troca, “queremos” entregar a Ele nossa vida. A oração assim compreendida é muito mais do que um multiplicar de palavras. Além de “querer” a Deus, devemos nos colocar em atitude de “repelir” o que em nós é pecado, ilusão, vício, etc.

Por certo há algumas dificuldades comuns a todo aquele que se põe a rezar: distração, aridez, ansiedade para ser atendido, ou simples falta de tempo.

A distração pode ser resolvida usando-se palavras simples, temas singelos do dia-a-dia, para colocar-se em oração. Tomemos como exemplo a própria oração do Pai-Nosso: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Haverá coisa mais simples e imediata do que pedir ao Pai pelo pão de cada dia? Pode alguém distrair-se enquanto suplica a Deus que não deixe faltar comida em sua mesa? “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”: Alguém que realmente sabe que corre perigo poderia esquecer-se do que está fazendo enquanto pede a Deus que o livre do mal? A simplicidade nas palavras e no tema, ou assunto da oração é de extrema utilidade.

A Aridez (secura interior, falta de sentimento e de ânimo para rezar) pode ser uma provação, pode ser o resultado de um dia ou de uma semana cansativos de trabalho, ou fruto de períodos de mau-humor, de noites mal dormidas, e até de doença. Se a aridez é consequência de uma provação, é preciso insistir, confiar que Deus está querendo aprimorar a nossa força de vontade, ou mesmo nos fazer crescer na fé. Nas outras situações, onde as causas são humanas, é preciso buscar mais no fundo da alma o vigor que dá vida à nossa oração, como quando se cava um buraco na beira do mar: no início é preciso cavar constantemente porque a água foge pelo fundo, mas chega o momento em que a quantidade de água se estabiliza e temos então um pequeno poço com água e o fim da secura. Para alcançar profundidade não é preciso usar de muitas palavras; aliás, segundo o Evangelho, nem se deve, porque não é pelo excesso de palavras que seremos ouvidos (Cf. Mt 6,7). A profundidade se alcança com a intensidade do que se diz. Como assim? Imaginem alguém do alto de um prédio em chamas que grita “Socorro”!. Essa pessoa diz muito mais em intensidade de alma do que se poderia esperar de apenas uma palavra, a palavra socorro. Diz que não quer morrer, que quer viver, que não pode se salvar sozinha, que está em grave perigo, etc. Dizer com intensidade é dizer com todo o ser, com toda a alma, e até mesmo gesticulando se for preciso, usando o corpo. Experimentem um dia pronunciar com intensidade a palavra Jesus. Para isso, naturalmente, não é preciso gritar, porque a intensidade não está na altura da voz, mas na aliança, na concentração de todas as dimensões do nosso ser na direção de um alvo bem definido. E isso tudo pode acontecer em pensamento. A oração silenciosa também pode ser intensa. Use-se persistência e busca de intensidade no que se diz e no que se pensa.

A Ansiedade, ou impaciência para ser atendido no que se pede, fundamentalmente quando não é aplacada, quando não é satisfeita por um resultado imediato do tipo “causa e efeito”, é também um sério problema que pode nos afastar da perseverança na oração. Não podemos iniciar a oração acreditando, como os bruxos ou magos acreditam, que bastam algumas palavras-chave e todos os nossos desejos são atendidos como que instantaneamente. A oração cristã não é um contrato de compra e venda em que eu tenho o direito de receber aquilo pelo qual paguei (p.ex.: um rosário por um carro novo, três missas pela cura de uma doença, dois dias de jejum por um emprego). A oração cristã é a entrega amorosa de si mesmo à vontade do Pai (“seja feita a vossa Vontade assim na terra como no céu”). Devemos ter consciência de que nem sempre sabemos pedir o que é melhor (Cf. Rm 8,26), e de que Deus jamais nos dará o que não é bom. Confiemos na Sabedoria e na Vontade de Deus.

No que se refere ao tempo para oração, é possível notar que no inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação incompatível com tudo o que eles devem fazer: não têm tempo; rezar, porém, é sempre possível: o tempo do cristão é o de Cristo ressuscitado que “está conosco todos os dias” (Mt 28,20), apesar de todas as dificuldades. Nosso tempo está nas mãos de Deus. Dizia São João Crisóstomo (santo nascido no séc. IV): “É possível até no mercado, ou num passeio solitário fazer uma oração frequente e fervorosa. Sentados em vossa loja, comprando ou vendendo, ou mesmo cozinhando” (ecl. 2); e Orígenes (cristão nascido no século II): “Ora sem cessar aquele que une a oração às obras e as obras à oração” (or. 12). Cristo está conosco todos os dias, a todo momento e em todo lugar. Se nossa mente ocupar-se, por exemplo, com alguma jaculatória, será muito mais fácil trabalhar sem distrair-se da oração, em sem perder tempo deixando a mente “viajar” sem rumo certo.

Enfim, não é Deus quem precisa de nossas orações, somos nós que precisamos de Sua graça, e esta costuma manifestar-se quando a Ele recorremos por meio da oração. A oração nos transfigura e nos torna, aos poucos, semelhantes Àquele com quem desejamos nos encontrar. Assim, apesar de saber que Deus nos ama e quer o nosso bem independentemente de rezarmos ou não, temos muitas razões para buscá-Lo por meio da oração.