Embora a educação se nutra da cultura conquistada e seja por isso a reprodutora, ela encontra seu sentido mais moderno como projeto enquanto a capacidade de proporcionar a capacidade de tornar homens e mulheres autônomos, conscientes e melhores. Entretanto, surgem duas perguntas que serão respondidas ao longo deste artigo: Qual a expectativa de uma educação que pensa ser a ideal e quer-se almejar? Conseguimos criar e ter o modelo ideal de educação sem a projeção de uma utopia?

As expectativas levam-nos a iniciar uma série de reflexões apresentadas de modo que exponham a idéia de educação como meio de transcendência do presente, trazendo uma nova realidade para a já existente e, consequentemente, produzindo novas percepções para algo a ser sempre alcançado e palpável. Com isso, o indivíduo e o meio se apropriam das informações de um novo projeto educativo, proveniente de indagações sobre as imperfeições do sistema educacional atual e como é conduzido, bem como na projeção de suas realizações dentro da perspectivas de um futuro ideal. Assim, surge o seguinte questionamento sobre qual ou quais são nossas insatisfações sobre a educação que temos e qual realmente queremos.

A educação foi criada aos moldes do iluminismo definindo o homem e a mulher como “cidadãos” dotados de consciência e não apenas como mentes ilustradas, isto é, postos como mentes ilustradas. Da mesma forma, pode-se dizer que o modelo educacional atual que dispomos e temos hoje oriundo das reformas estruturais embasadas nos ideais iluministas, infelizmente, atende a necessidade de dois séculos atrás (utópico naquele tempo) de modo a oferecer a educação para todos. Em seu artigo “A educação que temos, a educação que queremos”, o professor José Gimenos Sacristán apresenta a idéia utópica do filósofo iluminista Imannuel Kant, pela educação do homem e mulher precisam ser disciplinados, pois a disciplina é tentar, segundo Kant, impedir que a animalidade e estenda-se à humanidade segundo as regras de convivência porquê é a submissão da barbárie através da disciplina.

Ainda segundo Sacristán sobre a perspectiva de Kant para a educação, é na confiança da racionalidade como justificativa da superioridade do ser humano e sua capacidade civilizatória. A utopia do renascimento supõe considerar que homens e mulheres ilustrados, quer dizer educados, cultos e disciplinados nos moldes escritos assumem qualidades que operam uma sociedade democrática. Por isso o objetivo de difundir a educação para todos, e a escola é entendida como ferramenta para o processo.

O desenvolvimento desta tese educacional iluminista propõe ainda há que se desenvolver uma atitude positiva para aprender o que é, de fato, a pedagogia moderna jamais compreenderá como a aprendizagem significativa. Assim, a educação é entendida como “viver cultura” e não como erudição enciclopédica. Em sua base renascentista, a educação estava ligada à esperança da ascensão sobre o surgimento de uma sociedade aberta e móvel, como substituição da hierarquia determinada pela origem social por outra estabelecida e engessada pelo binômio educação/profissão. Esta proposição estaria fundamentada no surgimento da concepção do homem como um ser em construção e não mais determinado de forma predestinada desde seu nascimento. Diante disso, é importante ressaltar que esta idéia atualmente nos parece senso comum, no entanto é extremamente original no contexto do mundo renascentista e possibilita, em tese, um novo entendimento das relações interpessoais, da organização da sociedade e do papel da educação da sociedade e do papel da educação escolar neste contexto.

Entretanto, como poderíamos conceber uma nova perspectiva de educação no século XXI ante as novas demandas de uma sociedade cada vez dinâmica e aberta às novas perspectivas culturais e sociais, mesmo por que entra em cena a urgência de promover um novo projeto para todos os envolvidos no processo de ensino/aprendizagem, pois é notório que o modelo educacional atual, que outrora era utopia (ideal) para contexto educacional anteriores, já não mais cabe para esta geração ou as futuras, pois a relação precisa ser de sujeitos participativos tomando-se o questionamento construtivo como desafio comum. Neste modelo, o indivíduo apenas recebe de forma extremamente passiva o conhecimento enciclopédico ou apenas a organização formal, neste caso a escola, se define e advoga para si como agente socializador do conhecimento, não sai do ponto de partida e, na prática atrapalha o aluno porque o deixa somente como um mero objeto ante à instrução e ensino. O contato pedagógico escolar somente acontece quando mediado pelo questionamento construído através do raciocínio lógico e construtivo, caso contrário, não se distingue do outro qualquer tipo de contato.

Os eixos de um projeto ainda válido para o futuro:

a)Leitura e a escrita:

Compreender todos os recursos tecnológicos e funcionais que o século XXI nos proporciona para facilitar o acesso às informações pertinentes para o processo de aprendizagem é competência e habilidade fundamental, contudo entender e compreender a formação do intelecto através da linguagem e escrita firma-se como condição primeira, pois são inseparáveis dentro da capacidade de construção e reconstrução da sociedade a partir do desenvolvimento do abstrato, crítico e reflexivo. O exercício da leitura potencializa o indivíduo amplia sua consciência. Saber ler e escrever é o passaporte para participar deste novo contexto de comunicação.

É fundamental que tanto os professores quanto os alunos saibam escrever, redigir, coloca no papel o que queiram dizer e fazerem, sobretudo, alcançar a capacidade de formular que são termos de formação do sujeito, porque significam propriamente a competência e habilidade, à medida que se supera a recepção passiva do conhecimento para, enfim, participar como sujeito capaz de propor e contrapor suas ideias por meio da escrita.  Ademais, não se pode restringir a capacidade de elaborar e formular textos ou evoluções apenas teóricas. Qualquer conceito mais apurado de pesquisa exige a confluência necessária entre teoria e prática, entre conceituação e aplicação prática, entre o intelecto e a vida real.

Os agentes envolvidos, neste caso o professor e aluno, vivem em constante movimento de orientação e aprendizado para expressar de maneira fundamentada e exercitar o questionamento sempre e formulação própria. Aparece, neste contexto, o desafio de reconstruir um contexto científico e o desafio dentro dos princípios metodológicos usuais estruturando a proposta de modo a consolidar a base teórica e a solução.

Ler muito, fazê-lo reflexivamente, entrelaçar as leituras e ter o prazer com tudo isso são e continuarão sendo o desafio da educação formal. O alicerce dos meios e recursos para a educação permanente estão dispostos e prontos para serem usados, porém depende das políticas educativas e culturais nas formações dos professores e alunos, principalmente na elaboração dos métodos e recursos pedagógicos.

b) Acervo cultural acumulado:

Para uma educação utópica, as pessoas possuem herança cultural, compreendido como ciência, tecnologia, conhecimento social, as artes e a literatura permanecem como base para a educação formal. Em suas proposições, educar para algo somente se realiza educando a partir de algo, isto é, a educação juntamente com as instituições educativas de estudos para os problemas da vida cotidiana e, assim, tornar indivíduos conscientes dos condicionantes concretos de sua sobrevivência só amplia sua autonomia.

Este princípio dá evidência do significado do diálogo na aprendizagem, busca pela apropriação significativa do saber. Com isso, surgem algumas orientações: a) manter e estimular a partir das primeiras experiências de aprendizagem a liberdade; b) garantir um clima de abertura para o intercâmbio das subjetividades; c) entender e compreender a aprendizagem como participação, o que pressupõe um método de construção do conhecimento; d) manter uma concepção não-dogmática diante do cervo de conteúdo.

Educar para o futuro para educação: volta à modernidade

Para analisar as condições reais dos valores que cercam a educação na modernidade, a pós-modernidade não produz o que pode ser chamada utopias universais, pois chegamos ao final do século XX um tanto cansados, desorientados e desarmados de ideias e de ideais impulsionadores. Reflete-se na educação a diminuição das esperanças em relação ao valor da escolaridade. Recai sobre a incapacidade dos meios educacionais acompanharem tanto as necessidades dos jovens e suas críticas ao autoritarismo de suas práticas quanto a evolução do conhecimento.

Dos intelectuais, a escola sofreu acusações quanto a imposição de um “novo culturalismo” ignorado a riqueza das realidades particulares. Todas estas insatisfações obscurecem a formulação, no âmbito formal e institucional, de políticas educativas. A projeção da qualidade escolar e seu planejamento profissional dos professores, bem como a revisão constante do currículo e a participação efetiva dos familiares e da comunidade das últimas décadas do século XX, embora profundamente ideológicos, são totalmente anti-útópicas e o dominaram bastante os pressupostos dos projetos modernos para educação.

Se há espaço para pedirmos algum projeto educacional nas condições da pós-modernidade, ou se ainda faz sentido a manutenção do projeto iluminista descrito nos primeiros parágrafos deste artigo, por isso necessitamos de algo a que nos agarrar; pensamos que a aquele projeto continua uma deformidade e tenha sido mal sucedida. O que precisamos é construir o legado considerando as novas condições educacionais em que toda sociedade do século XXI está inserida.

Conforme exposto neste artigo, o problema das instituições escolares reside no fato de não terem cumprido adequadamente o programa do projeto iluminista que ainda teria sua força porque oferece uma formação básica, porém de forma insípida. A decorrência mais significativa de tudo isso é que não se pode gestar profissionais e alunos competentes pela via do treinamento, em particular somente escutando aula e fazendo prova desprovida de sentido. A expectativa comum entre nós, imitadas de moldes prontos e obsoletos, de que cabe uma educação tecnocrática dedicada somente ao treinamento através dos recursos já existentes entendendo-se por ela uma entidade de mero repasse copiando o conhecimento de forma apócrifa. Esta crença está na origem de instituições que fabricam todas as formas de abreviações curriculares, menos das aulas. Na prática, facilitam o acesso ao diploma, não à competência e habilidade. Embora este tipo seja melhor que nada, é importante perceber que não agregam nada de significativo aos desejos do desenvolvimento humano.

Referências bibliográficas

1 – IMBERNÓN, Francisco. (org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Trad. Ernani Rosa. 2ª. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 37-61.

2 – ZAMBONI, Fausto José, in: Contra a Escola: Ensaio sobre literatura, ensino e educação liberal. São Paulo: Vide Editorial, São Paulo, 2016.

 

– Leônidas Bié é professor de Língua Portuguesa e Língua Francesa nas redes particular e pública do Estado de São Paulo.