No último sábado (14), foi celebrado o aniversário de 80 anos de um dos documentos mais importantes da história recente. Produzida a partir de um dos encontros mais importantes do século XX, durante a Segunda Guerra Mundial em 1941, entre Franklin Roosevelt e Winston Churchill, a chamada “Carta do Atlântico” determinou as bases para toda a estrutura do mundo pós-guerra e definiu as relações internacionais contemporâneas. Se os acordos de Bretton Woods (1944) definiram as relações econômicas e comerciais após a guerra, a Carta do Atlântico estabeleceu as normas de convivência política e internacional que serviram de base para todos os arranjos posteriores. Fim do expansionismo territorial, afirmação da autodeterminação dos povos, restauração do autogoverno, cooperação internacional, liberdade, desenvolvimento, resolução pacífica de controvérsias, liberdade de navegação… estes foram apenas alguns dos fundamentais princípios acordados na carta entre as duas principais potências do globo à época, Reino Unido e Estados Unidos, que seriam alguns anos depois os grandes vencedores da guerra. Ainda que em 1941 o cenário de guerra fosse bastante precário para os aliados, e que os Estados Unidos ainda nem tivessem entrado oficialmente no conflito, a reunião de alta-prioridade possibilitou um grande estreitamento da relação especial entre os dois países, por meio de um alinhamento de expectativas, interesses e princípios.

Além de permitir o estabelecimento de visões e projetos comuns para um mundo livre da tirania Nazista, e, portanto viabilizar a liderança dos dois países no pós-guerra e na reestruturação do Sistema Internacional, esse acontecimento foi a base, uma prévia, de tudo que viria após a vitória do mundo-livre: um novo sistema econômico internacional, uma nova forma de interação entre os países, novas práticas comerciais, direitos humanos, Nações Unidas, novas alianças de segurança, OTAN… e muitas outras coisas mais. Sem dúvidas, a Carta do Atlântico – ou, o alinhamento oficial entre as duas lideranças do Mundo-Livre (à época, e até os dias de hoje) – deve ser considerado um dos documentos de maior relevância histórica. Sem ele, ainda que a vitória sobre a Alemanha Nazista pudesse ser alcançada, o mundo teria grande risco de colapso pouco tempo depois, na Guerra Fria, e, sem dúvida alguma, a situação do chamado mundo em desenvolvimento seria muito mais precária do que foi, e do que é.

Ao mesmo tempo em que o encontro entre Roosevelt e Churchill alinhou expectativas, definiu metas comuns e aproximou ainda mais os dois países, por meio da Carta do Atlântico ambos os líderes concordaram em abolir práticas do passado que não tinham mais espaço no século XX, como o protecionismo, o colonialismo, e, sobretudo, a permissividade para com ditadores e regimes hostis pelo globo. Observando, principalmente, os erros cometidos na formação da Liga das Nações, os dois líderes buscaram corrigir inadequações no modelo e assim reformar as bases das relações internacionais. É claro que a reunião foi um embrião do que estaria por vir, especialmente após a vitória na guerra, mas foi ali, naquele momento, em que as bases do Sistema Internacional moderno foram moldadas à imagem e semelhança de seus povos idealizadores, Americanos e Britânicos. A partir daquele encontro, a ideia de que o modo de vida de ambos deveria ser expandido, perseguido e garantido para os demais povos se tornou uma das principais noções que norteiam a política internacional até os dias de hoje.

Talvez considerada a Magna Carta das relações internacionais contemporâneas, a Carta do Atlântico, sucedida em 1942 pela Declaração pelas Nações Unidas (Documento de Aliança da Segunda Guerra Mundial), buscou preservar as boas práticas, abolir aquelas que fomentavam os conflitos e as desigualdades, e aprimorar as boas experiências historicamente desenvolvidas, tanto em caráter doméstico – dentro dos países e territórios – quanto (e principalmente) em caráter internacional. Dessa forma, Churchill e Roosevelt acreditavam que, embora nunca pudessem garantir a construção de um mundo perfeito e ideal, poderiam aprimorar um padrão de convivência e de superação de desafios que evitasse futuros conflitos e ao mesmo tempo melhorasse as perspectivas humanas.

Tamanha a sua importância, durante a reunião do G-7, em Junho deste ano, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o Primeiro Ministro do Reino Unido, Boris Johnson, aproveitaram suas reuniões paralelas ao evento para assinar o que chamaram de “A Nova Carta do Atlântico”, um documento que tem por objetivo reafirmar o compromisso dos dois países para com os princípios estabelecidos na Carta de 1941 e reafirmar os moldes e objetivos do Ocidente. De forma óbvia, muitos dos princípios elencados na Carta do Atlântico original sofreram muitas mudanças ao longo das últimas décadas, sobretudo a partir da perversão e do esvaziamento das Nações Unidas e das pautas de interesse internacional. Contudo, esperamos que a essência do Ocidente continue viva em meio a tantas palavras, como esteve ao longo de todos os séculos.