Em todo empenho pelo bem de si mesmos e pelo bem da Igreja, os cristãos são impulsionados indubitavelmente por sua força de vontade. A vontade humana, livre das amarras dos vícios e da escravidão psicológica, é um elemento de capital importância na construção do progresso espiritual das almas.

O ensinamento de São Bento, contudo, indica que todo bom propósito deve antes ser precedido de oração (“Antes de tudo, quando encetares algo de bom, pede-lhe [a Deus] com oração muito insistente que seja por Ele plenamente realizado.” — RB Pról. 4). Aqui encontramos um conselho importantíssimo para que não nos aconteça cair na tentação do voluntarismo, ou seja, no “endeusamento” da própria vontade. A luz do intelecto (capaz de gerar resultados que levam à “elaboração de verdadeiros sistemas de pensamento” — Cf. Encíclica  Fides et Ratio, nº 4; São João Paulo II — 14/setembro/1998) pode descortinar muitas verdades, mas nem sempre a inteligência humana, por si só, tem competência para solucionar os problemas eclesiais e tampouco os sociais. Ter direito a uma ação não quer dizer, necessariamente, que saberemos executá-la com maestria, ou que o momento por nós escolhido para agir será sempre o mais oportuno. Precisamos, com muita responsabilidade, analisar e colocar diante de Deus, em oração, as nossas motivações, sob pena de sermos por Ele próprio culpabilizados por ações irrefletidas, tempestuosas, ou motivadas por caprichos pessoais, desejo de vingança, ou por ira.

A ação voluntarista é frequentemente marcada por um impulso oriundo da mágoa, do orgulho ferido, da arrogância, ou da presunção. Qualquer uma dessas marcas obnubila a razão e impele o voluntarista a laborar em benefício próprio, ao custo de sufocar a caridade, a misericórdia e a cordialidade para com o próximo; a ação do tempo, contudo, é inclemente: um empreendimento voluntarista não se estende muito na História.

O Evangelista São Lucas conclui o relato das tentações de Jesus dizendo que “Tendo acabado toda a tentação, o diabo O deixou até o tempo oportuno” (Lc 4,13). O próprio Cristo dá-nos a entender qual seria esse “tempo oportuno” quando, diante de sua iminente paixão, diz: “É agora o julgamento deste mundo, agora o príncipe deste mundo será lançado fora” (Jo 12,31). Essa é a interpretação unânime que foi dada pelos autores do Novo Testamento quanto à morte de Cristo — como o diz a Carta aos Hebreus: “a fim de destruir pela morte o dominador da morte, isto é, o diabo” (Hb 2,14). Ora, nossa vitória sobre o poder do diabo não se dá unicamente pela nossa própria vontade, pelo nosso próprio sangue, mas por uma “morte” incruenta unida à morte cruenta de Cristo, o que supõe abraçarmos a nossa cruz — problemas, dúvidas, angústias, dores e solidão — a fim de que o “dominador da morte” seja vencido pela força da Cruz de Cristo; a força dessa Cruz em nossas vidas, no entanto, depende do quanto estamos dispostos a carregá-la com amor e renúncia. Somos, diante das nossas vontades, realmente capazes de dizer com Pedro: “Eis que deixamos tudo e te seguimos”? (Mt 19,27). Eis um segundo elemento para que a vontade humana prospere: amar a Deus sobre todas as coisas (1º Mandamento da Lei de Deus).

A história de Deus com os homens aponta vários momentos em que esse mesmo homem voltou atrás em suas más decisões, ou mesmo foi capaz de enfrentar duros sacrifícios para que o castigo de Deus não mais caísse sobre ele. A questão que se impõe quando cria-se uma situação assim é: o que fará o homem depois que Deus o perdoar? Utilizará o prêmio do perdão para viver distante de Deus, da forma como vivera até então? Se assim o fizer, atrairá novamente a cólera divina contra si mesmo e sua súplica terá sido vã. De quanto meditamos brota agora um terceiro elemento para que a vontade humana prospere: conversão. Se mesmo com o perdão dos céus a conversão não acontecer, a vida humana cai em uma tenebrosa espiral de insucessos: “Assim, melhor lhes fora não terem conhecido o caminho da justiça do que, após tê-lo conhecido, desviarem-se do santo mandamento que lhes foi confiado. Cumpriu-se neles a verdade do provérbio: ‘O cão voltou ao seu próprio vômito’, e: ‘a porca lavada tornou a revolver-se na lama’.” (2Pd 2,21-22).

Muitos não conseguem compreender por que Deus não atende às súplicas de um determinado povo. Isso nem sempre se dá por causa do povo em si, mas, tendo em vista que Deus quer salvar a todos, Ele precisa que todos — ou ao menos um número significativo — ofereçam em oração a sua vontade, e é indispensável que essa vontade, caso seja atendida, leve definitivamente à conversão. Do contrário, Deus não estaria oferecendo alimento e salvação — e sim corrupção — ao seu povo que pede algo como a liberdade, por exemplo. Ora, urge que o povo faça um sadio e honesto exame de consciência, e pergunte-se, afinal de contas: “Para que desejo liberdade”? Querer liberdade para cometer excessos, para não precisar abandonar os próprios vícios, para continuar — como teria ficado até então — confortavelmente sentado enquanto consente em receber diretamente nas “veias” da alma o veneno de uma subcultura perversa e burra, que não valoriza outra coisa senão a sensualidade, o hedonismo e uma falsa e rasteira sensação de — para usar uma palavra bem comum às narrativas fúteis, maliciosas e pseudoaltruístas desses nossos tempos tão corrompidos pelo pensamento anti-cristão — “empoderamento”?

Não apenas é bom, como é também necessário que façamos preceder com orações a Deus os nossos desejos e as nossas vontades, e que peçamos sempre discernimento para que esses mesmos desejos e vontades nos levem à conversão e a amar a Deus sobre todas as coisas. A vontade de Deus é algo muito mais importante e valioso do que “mimar-nos” e satisfazer nossos caprichos. Deus quer a nossa vitória definitiva sobre o “dominador da morte”.