É fichinha carimbada nos círculos progressistas e isentões o bordão “esquerda e direita são conceitos ultrapassados”.
O correto é ser “pra frente” (como já disseram Marina Silva e Gilberto Kassab), “avançar” etc. e outras referências ainda topográficas. Como dito, isso é frequente em círculos progressistas e isentões (justiça seja feita, a turma do PCO certamente está comigo nessa), ou seja, círculos que contam com alguns libertários, mas, em sua maioria, esquerdistas que consideraríamos exemplares (especialmente na agenda moral).
Muitos caem nessa esparrela porque são rapidamente bombardeados pela variante de significados que os conceitos já tiveram ao longo da História: o sentido da Revolução Francesa – origem dos termos – onde a esquerda, os “jacobinos”, era defensora do povo e a direita, os “girondinos”, era defensora da nação e dos interesses dos mais abastados. O sentido de esquerda sempre como oposição e direita sempre como situação – sendo que esses dois sentidos costumam ser os mais frequentes no imaginário do senso comum.
O sentido da Guerra Fria, onde a esquerda era representada pela defesa do socialismo e da União Soviética e a direita pela defesa do capitalismo (e do liberalismo econômico, outro gerador de confusão) e dos Estados Unidos da América. Há ainda, num sentido bastante mais técnico e certamente menos conhecido, a identificação da direita com o conservadorismo e da esquerda com o “progressismo” – notem, duas palavras com conotações populares opostas, os primeiros identificados com protótipos do Ned Flanders, os segundos como desejosos do progresso para todos.
Por fim, há ainda o sentido notabilizado pelo cientista político italiano Norberto Bobbio, que identificou as forças de esquerda como defensoras da igualdade e as forças da direita como defensoras da liberdade.
Em suma, certamente direita e esquerda são conceitos que precisam ser balizados pelo momento histórico em que foram aplicados, o que não significa que não tenham mais sentido para compreendermos a política em 2019, como claramente não nos permite esquecer a própria esquerda ao alertar diuturnamente para os “perigos” da ascensão da extrema-direita na Europa e nos EUA.
E também nós mesmos, conservadores, cientes da natureza camaleônica e dialética da esquerda, que se converte no seu oposto a cada momento histórico exatamente para fins de sobrevivência.
O objetivo, portanto, tem de ser, recorrendo à pesquisa quase que arqueológica, a busca por um fio condutor que perpasse todas as definições ao longo da História – ou o máximo possível – e, portanto, útil e verdadeira ainda hoje. Para esse caso, acredito que a resposta se encontra nos escritos de Olavo de Carvalho sobre o tema: a esquerda se define, essencialmente, pelo porte de uma “mentalidade revolucionária” – e a direita por postura não-revolucionária, sendo reacionária, conservadora ou reformista.
O sujeito de mentalidade revolucionária tende à politização total da vida, isto é, crer que todos os problemas humanos têm causa e solução política e crê que ele tem o conhecimento e poder necessários para solucionar a problemática vida humana.
Sua ética é a ética do “fim” justificando os “meios”, em nome do futuro paradisíaco pós-revolucionário, tudo é permitido. Sua metafísica crê que a ordem do real é ruim e que precisa ser alterada radicalmente, preferencialmente de maneira repentina. As direitas, mesmo em sua ala “liberal clássica”, tendem a rechaçar essas concepções e preferir outros caminhos menos radicais (ou totalmente opostos a ele, como conservadores, tradicionalistas e reacionários).
Creio que essa concepção e classificação, praticamente atemporal, dos conceitos de direita e esquerda segue sendo perfeitamente útil para compreendermos a atual conjuntura política mundial e as forças que a regem.
“fichinha carimbada nos círculos progressistas e isentões o bordão “esquerda e direita são conceitos ultrapassados”. O conceito de direita e esquerda no círculo progressista é simplesmente a falácia da medida. Colocam-se com imparciais, para ficarem julgando qualquer um como radical, visando o monopólio do pensamento e da opinião pública. Até entendo o fato de vocês mencionarem o PCO, porque eles são sinceros enquanto os revolucionários mais desonestos e trapaceiros se sustentam no isentismo. Isso na verdade começou com o Iluminismo, quando o fator da tradição e do religioso foi aos poucos sendo substituído pela visão antropocêntrica e explica o liberalismo na medida em que valores como liberdade e igualdade se tornam puramente humanos, o homem molda a realidade como quer. Tanto o fim quanto os meios são criados por ele e quem estiver no caminho será iluminado. Texto muito bom, porque vai de encontro ao que estou estudando em filosofia.
Obrigada pelas maravilhosas aulas.
O conceito de esquerda e direita é realmente atemporal, sendo muito ligados ao momento.Na minha concepção pode-se caracteriza-los analogicamente como certo ou errado, vai depender do tempo de emprego dessas palavras.
Parabéns pelo texto e pelas aulas juntamente com o PH sobre Saul Alinsky, estou aprendendo muito aos meus 67 anos de idade.Estou feliz por saber que jovens como vocês não se contaminaram nas Universidades.
Um abraço.