Quando observamos a problemática da Ucrânia, mais uma vez em xeque no extremo Leste Europeu, naturalmente uma das primeiras coisas que nos vem à cabeça é o expansionismo soviético durante todo o século XX e, consequentemente, toda a ideia da Cortina de Ferro socialista que tornou todo o leste da Europa uma grande Zona-Tampão para amortecer os temores de cada bloco. Não por acaso, o grande sonho de Putin desde que tomou a frente da Rússia é recriar essa Zona-Tampão (por mais de um ou dois motivos aparentes), e é exatamente essa necessidade que expõe a delicada posição da Rússia hoje.

É grande verdade que não apenas por razões militares ou políticas os russos lançam mão ao leste europeu, principalmente se considerarmos a riqueza dessa região, não apenas em termos de gás e petróleo, mas também é principalmente em acessos para outras regiões. A Ucrânia, por exemplo, é uma das grandes e principais peças para se controlar o Mar Negro, principalmente porque todo o restante das nações que compreendem essa porção de água (com exceção da Moldávia, da Geórgia e da Própria Rússia) são hoje membros da OTAN. Nesse sentido, adicionar a Ucrânia ao Bloco Ocidental traria grandes problemas de circulação para a Rússia em uma de suas principais (e únicas) rotas confiáveis de acesso ao mar, além de fornecer uma grande base avançada para os principais imponentes russos, bem na fronteira. É verdade que isso já ocorre nos casos da Estônia e da Letônia, mas nada como adicionar um território tão maior e tão mais estratégico ao problema.

 

 

Contudo, o ponto que mais aflige o governo russo não pode não estar bem aí. Se observarmos o histórico de desintegração da União Soviética, percebemos que as grandes perdas territoriais russas não se deram por conflitos armados (uma guerra, por exemplo), mas sim pela falta de capacidade de controle do Estado socialista sobre as pontas que aos poucos foram se descolando de seu território – não só pelo efeito do fracasso socialista, mas também e principalmente pelo aumento da influência ocidental nesses locais. Afinal de contas, a União Soviética poderia muito bem ter deixado de ser socialista sem se fragmentar, se fosse apenas uma questão de sistema econômico. O ponto é que o separatismo é parte inconfundível do histórico russo, por diversos motivos. Esse mesmo separatismo, manifesto de diferentes formas e em diferentes regiões, ainda é muito presente em diversas das “pontas” da Rússia hoje, o que certamente causa preocupações ao Governo Russo, como podemos constatar facilmente a partir da situação sempre mal resolvida do Cáucaso.

Dessa forma, quando analisamos mais calmamente essas questões que, a um primeiro olhar parecem pouco relacionadas, percebemos que juntas elas formam uma combinação explosiva: uma real ameaça à soberania do Governo Russo. Mas não exatamente como eles dizem ser. Sabemos que publicamente o grande receio de Putin é que a OTAN e os Estados Unidos, em especial, tenham uma guerra armada bem à margem de seu território, criando um grande dilema de segurança para a Rússia, já que uma invasão poderia se materializar a qualquer momento. Na realidade, porém, essa é apenas uma parte da história. Sim, de fato, com uma expansão da OTAN ainda maior no Leste Europeu a Rússia teria a sua fronteira (literalmente) o maior agrupamento de forças militares rivais em sua história, sendo assim o mais esperado é que de fato a Rússia promova o estabelecimento de uma Zona-Tampão – própria ou terceirizada – em suas fronteiras e, consequentemente, com uma Ucrânia “ocidentalizada”, sua vida no Mar Negro seria bem mais problemática.

Contudo, se pararmos para pensar, esse falso dilema de segurança, que presume que a Rússia estaria à mercê de uma invasão ocidental a qualquer momento se permitisse a presença expandida da OTAN na região, é uma construção muito bem estruturada, quase que um sofisma, para esconder o fato de que a maior ameaça territorial à Rússia não é uma invasão ocidental, mas sim a proximidade do Ocidente. Uma maior presença ocidental no leste traz sim um risco soberano à Rússia, mas não por uma guerra, e sim por uma erosão interna. Afinal de contas, fronteira ou não-fronteira, a OTAN já está às portas da Rússia há décadas, e de toda forma a Dissuasão Nuclear se mantém, entre os dois blocos, estando eles próximos ou não. Todos sabem que um míssil atinge a Rússia dos Estados Unidos, ou do meio do Pacífico ou do Atlântico. Não há novidade nisso. O ponto é que Putin sabe que as invasões pacíficas (como a Cortina de Ferro experimentou nos anos finais da Guerra Fria) são as verdadeiramente perigosas. E nesse ponto, a questão geográfica, o próprio território tem grande relevância, especialmente quando se têm movimentos separatistas nesse território e quando a arte das Proxy-Wars foi bem dominada após quase um século de prática na África, no Oriente Médio, na Ásia, e no próprio Leste Europeu. E Putin sabe disso.

 

Logo, podemos perceber que esse conjunto explosivo de cenários ligados aos interesses russos são de fato bastante relevantes, mas também podemos perceber que, no fundo, o grande dilema de segurança colocado por Putin como grande preocupação Russa é, na verdade, uma grande cortina de fumaça para mascarar o fato de que uma das principais preocupações do Governo Russo não é com uma ameaça militar ao território russo, mas sim com a perda de influência do governo russo sobre o seu próprio território. Assim temos um cenário que de fato motiva Putin ao máximo a aproveitar seu terrorismo de Estado para avançar as pautas de interesse russo na região e o momento de uma America fraca e sem liderança para tentar aumentar sua zona de segurança no Leste Europeu.

Na Terça-Feira, após um recuo claro na fronteira, Putin afirmou que nunca quis uma guerra na Europa. Bem, isso sempre esteve bem claro, principalmente porque, considerando as Forças Armadas Russas de hoje, qualquer tentativa de sustentar uma Guerra Convencional Ofensiva contra a OTAN seria impossível, tanto em termos militares quanto econômicos. Afinal, até mesmo muitos dos grandes e assustadores armamentos russos são ainda protótipos operacionais – como caças de 5a geração russos, como super-mísseis e super-torpedos anunciados frequentemente. Alternativamente, a saída seria iniciar uma Guerra Nuclear, que tampouco se encontra nos interesses da Rússia – ou de qualquer um. Aqui, o ponto-chave está novamente na ameaça – o que se pode fazer, mas não o que será feito. Por isso, a situação sempre termina com uma trégua velada, algumas concessões do Ocidente, e aguardamos o novo momento em que a Rússia mostrará suas garras novamente como forma de Barganha Internacional. De toda forma, a “combinação explosiva” permanece quente, sendo os grandes medos de Putin uma grande bomba-relógio para as relações internacionais. Afinal, Putin não pode:

  1. Perder o Controle Sobre a Rússia
  2. Perder a Relevância Política e Econômica na Europa
  3. Perder a Influência sobre o Leste Europeu
  4. Perder Acessos no Mar Negro
  5. Ser Forçado a Cobrir seu Blefe Bélico

Por isso, como está a situação hoje, o único desfecho possível é um jogo de morde e assopra sem fim. Certamente os Russos não seriam tão ousados com uma Administração Trump, pois as chances de serem intimados a cumprir suas ameaças seriam significativamente maiores, e esse é o tipo de ultimato – firme e real – que Putin não quer ver.