“Qui sommes-nous? D’où venons-nous? Où allons-nous? (Quem somos? De onde viemos? Para onde vamos?), pergunta-se o célebre pintor francês Paul Gauguin.

Bem, ao menos esta pergunta, tão distante dos ditos intelectuais contemporâneos, desconstrucionistas, da classe falante chique e do show business medíocre, não deixa de pulsar nas almas desesperadas por sentido neste século em que, incessantemente, nega-se a presença inevitável do Ser. A alma humana, reduzida aos meros processos bioquímicos fisiológicos, mediocrizada por processos imanentes grosseiros, perde-se inexoravelmente aos caprichos dos deuses temporais que desejam transformar o vale de lágrimas no novo Jardim do Éden. Odiosos da estrutura mesma da realidade, carregando a mesmíssima inveja de Caim por Abel, do homem simples que esquece-se de si como criatura absoluta para receber a Graça do Altíssimo em sua natureza, mesclam transcendência e imanência numa única quimera: o transumanista.

Este homem, padecente de virtudes e amante dos vícios desenfreados, das paixões mais baixas da carne, dono do mundo por auto delegação, empregadinho subserviente e bem quisto do diabo, caminha para tornar-se uma espécie de Adão terrestre. Crendo ter, no mais profundo devaneio, a pérola da divindade aprisionada em seu ser.

Entretanto, no século do nada — no modo de Corção –, o Transumanista não pode libertar essa pérola sem cair nos braços elásticos do secularismo. O poder estabelecido por outros deuses terrestres. O novo Adão vê-se controlado por todos os lados dos Anjos decaídos na globo terrestre e nada pode contra eles a não ser uma falsa autoafirmação desesperada de que é livre. Sim, o novo Adão realmente acredita que é livre.

A liberdade autoproclamada pelo novo Adão transumanista só pode ser validada pelos braços seculares do Estado moderno. Ora, o Estado moderno e toda a sua abrangência, naturalmente. Grandes conglomerados mundiais e os poderes burocráticos estabelecidos, crescentes em todos os modos que se vejam — como analisara Bertrand de Jouvenel –, não estão minimamente interessados em dividir-se, novamente, em poderes descentralizados que têm como norte os transcendentais: o bom, o belo e o verdadeiro. Nesse sentido o novo Adão encontra-se diante de um paradoxo: sua autoproclamação libertária é a validação da maior tirania humanista que já se viu neste mundo. E digo isso sem o menor medo de ser mal interpretado. Pois se historicamente teve a tirania da alma e do corpo, agora tem a do espírito mesmo. Há uma barreira intransponível entre o espírito humano e o espírito da revolução. O primeiro não vive mais sem o segundo e vice-versa. E é nesta tensão que o ignorante e persuasivo Adão vive sem se dar muita conta (mesmo acreditando ser a divindade em pessoa).

Como três perguntas sinceras de Paul Gauguin não podem ser devidamente respondidas pelo novo Adão, pois elas o levaria inevitavelmente para além-de-si. Ele teria de analisar, além daquilo de que é feito materialmente, para aquilo de que ele é de fato, o que o movimento e qual é sua finalidade verdadeira. A transumanista teria aceitado que há algo para além da mera retórica: a seriedade inteligentíssima da dialética e da lógica que funda-se no Primeiro Princípio.

O novo Adão terrestre teria de encarar-se a si mesmo e perceber que seu Jardim do Éden é, na realidade, numa mudança brusca de cenário, o Império de César sendo revivido. Só que a confusão em que se encontra, na hipnose do Jardim das Delícias, impede-o de receber a Verdade com docilidade. Prefere, no orgulho advindo de Lúcifer, insistir que seu Eu é o Ser em Si mesmo.

A figura do novo Adão — ansiosa para novidades caóticas que apresentam-se como se dogmáticas fossem — para os que já se aceitaram participar de uma ordem que não depende dos braçosrais-espaciais para ser o que é, não pode ser outra coisa que exótica. Mas também é dramática.

Para os desesperados em meio ao turbilhão, assim como eu, bastava as três perguntas como norte para uma reflexão sincera especulativa acerca, também, dos três inimigos dos filhos de Deus: Quem somos? (Será que seríamos do mundo?) De onde viemos? (Do diabo?) Para onde vamos? (seria nossa finalidade apenas a carne?).

Para o novo Adão contemporâneo, utopista, se segue: Não há nada de novo debaixo do sol (Eclesiastes 1;9).