Uma pergunta muito comum que vemos nos dias de hoje: Por que Dom Pedro II não libertou os escravos?

O Brasil não era uma monarquia absolutista, ao contrário do imaginário popular, todas as questões que envolvessem a criação e aprovação de leis passavam pelo parlamento imperial, o que tornava o jogo político muito semelhante com o que estamos acostumados a assistir nos dias de hoje. Para chegar à abolição da escravidão foram necessárias décadas de atuação da Família Real em prol da abolição da escravidão no Brasil.

A abolição viria em 13 de maio de 1888 e é marcado pela celebração da assinatura da Lei Áurea. Infelizmente este dia passa despercebido para muitos brasileiros, quando lembrado por folhetins, a data é utilizada para militância revolucionária atacando justamente a Família Real brasileira.

Importante: este breve artigo não tem a intenção de esgotar o assunto, mas de abrir o horizonte dos brasileiros para se aprofundarem nos temas aqui dispostos.

Dom João VI

Desde 1810 Dom João VI já dava sinais de que desejava cessar o tráfico de escravos. O congresso de Viena de 1815, Congressistas ingleses, liderados pelo primeiro-ministro Castlereagh, conseguiram estabelecer que o tráfico seria interrompido ao norte da linha do Equador. Dois anos depois, D. João VI ratificou a decisão do Congresso de Viena e, em novo acordo, concedeu à Marinha britânica o direito de visita e busca, em alto mar, nos navios suspeitos de tráfico, ou seja, em áreas não portuguesas.

 Dom Pedro I e José Bonifácio

Dom Pedro I tentou a abolição junto com a independência e tinha o total apoio de José Bonifácio neste processo. Juntos, tentaram acabar com a escravidão em 1822 na independência e na constituinte em 1824, alguns trechos elaborados na proposta constitucional podem ser vistos a seguir:

  • Acabar com o tráfico negreiro em 5 anos.
  • Facilitar as condições de alforria por parte dos escravos
  • Acabar com os castigos físicos
  • Conceder pequenas faixas de terras para que os negros alforriados ou por outros meios para que produzissem e prosperam-se.

Destaque para a fala de José Bonifácio neste período da constituinte:

“Se os negros são homens como nós, e não formam uma espécie de brutos animais; se sentem e pensam como nós, que quadro de dor e de miséria não apresentam eles à imaginação de qualquer homem sensível e cristão? Se os gemidos de um bruto nos condoem, é impossível que deixemos de sentir também certa dor simpática com as desgraças e misérias dos escravos; mas tal é o efeito do costume, e a voz da cobiça, que veem homens correr lágrimas de outros homens, sem que estas lhes espremam dos olhos uma só gota de compaixão e de ternura. Mas a cobiça não sente nem discorre como a razão e a humanidade.”

Infelizmente a primeira constituinte fora desmontada em 1823 e o projeto arquivado.

Dom Pedro I percebeu que uma abolição direta seria um problema sério na formação do império Brasileiro que passou por muitas dificuldades e tensões em seu início. A Revolução Francesa e as revoluções republicanas eram um assunto vivo e que permeava o imaginário de muitos revolucionários nas províncias brasileiras, afinal, a figura de Simon Bolivar era um exemplo e inspiração para estes revolucionários à época.

Nesta época, remontando aos últimos 35 anos o Brasil já havia enfrentado quatro revoluções separatistas:

  • Inconfidência Mineira em 1789
  • Conjuração Bahiana em 1798
  • Revolução Pernambucana em 1817

No Brasil existia a ideia em certas faixas da sociedade de que para haver progresso era necessário ter escravos e inclusive, em alguns casos mais raros, os próprios negros tinham escravos; Como o caso do Barão de Guaraciaba que tinha em torno de 200 escravos. O que mostra que a escravidão não era um movimento racial como é vendido até hoje para nós, mas sim uma questão econômica e social.

Dom Pedro II

Quando atingira sua maioridade, Dom Pedro II libertou todos os escravos que estavam sob suas possibilidades e em seguida os contratara como funcionários assalariados, o que gerou um grande escândalo à época, pois era um gesto que ia contra os interesses da classe escravagista da época.

Durante o seu reinado, Dom Pedro patrocinou e apoiou diversos projetos de lei que diminuíam progressivamente a escravidão no país. Um bom exemplo é a lei Eusébio de Queiroz, Ministro da Justiça da Época, que sofreu uma grande pressão pelas elites e lutavam arduamente contra sua aprovação no congresso. Aliava-se a isto a pressão internacional cada vez maior para que o Brasil tome medidas mais severas contra o tráfico de escravos. Pessoalmente, o imperador era abolicionista declarado, encarando a escravidão como uma “vergonha nacional”. D. Pedro II, em 1850, ameaçou abdicar do trono caso a Assembleia Geral não declarasse ilegal o tráfico de escravos no Atlântico. No mesmo ano, quando se discutia a lei de repressão do tráfico de escravos, e se mostrava ao Imperador os perigos a que a lei exporia o trono, Dom Pedro II, então com 25 anos, replicou com energia:

“Prefiro perder a coroa a tolerar a continuação do tráfico de escravos”.

Ainda em seu reinado outras leis foram aprovadas:

  • Lei do ventre livre (tornava livre todo filho de escravo nascido no Brasil)
  • Lei do Sexagenário (tornava livre todo escravo que atingisse a idade de 60 anos)

Também é importante ressaltar a criação da Caixa Econômica Federal, onde os escravos tinham a possibilidade de abrir uma conta bancária e juntar suas economias para a compra da carta de alforria.

Negros também tiveram importância na estrutura de poder da Coroa brasileira, como o Senador e Conselheiro do Imperador Francisco de Montezuma. Visconde de Jequitinhonha foi deputado, ministro da Justiça, representante do império na Inglaterra, senador e presidente do Banco do Brasil.

Também temos a linda história de Rafael o Anjo Negro. Um dos grandes protetores e amigo de Dom Pedro II era Rafael, conhecido como o Anjo negro, que era responsável pelos cuidados diretos à Dom Pedro II e o acompanhou por toda a sua vida, tendo inclusive combatido ao lado do Imperador na Guerra do Paraguai, acompanhou também Dom Pedro II em suas viagens ao exterior. Morreu aos 98 anos de idade, no dia 16 de novembro de 1889 ao saber da prisão de Dom Pedro II bradou:

“Que a maldição de Deus caia sobre a cabeça dos algozes de meu senhor!”

Caiu em seguida, morto, sendo um dos primeiros a morrer sob a égide da nefasta república recém proclamada.

Quando da assinatura da Lei Áurea, Dom Pedro II encontrava-se em viagem ao exterior e muito doente na Itália. A Imperatriz Dona Tereza Cristina ao chamar o Padre para a Extrema Unção, deu-lhe a notícia que havia chegado dois dias antes do Brasil à Itália: No Brasil não há mais escravos.

Dom Pedro, emocionado com a boa nova disse:

“Não há mais escravidão no Brasil? Rendamos graças a Deus! Telegrafem imediatamente à Isabel, enviando-lhe minha Bênção com meus agradecimentos à Nação e às Câmaras.”

Muito doente, caiu em lágrimas e balbuciou:

“Grande povo! Grande povo!”

As lágrimas de amor ao seu País.

 

Conde D’Eu

Fora o marido de Dona Isabel e consorte ao trono brasileiro. Lutou ao lado do sogro em diversas causas, inclusive na Guerra do Paraguai. No final da guerra teve papel determinante para a abolição da escravidão no país vizinho. No dia 2 de setembro de 1869, Conde D’Eu envia ofício aos membros do Governo Provisório da República Paraguaia, onde sua formal repulsa a essa posse hedionda de escravos está patente e completa:

“Senhores.

Sobre diversos pontos do território desta república, que já percorri à frente das forças em operações contra o dictador Lopez, aconteceu por vezes de encontrar indivíduos dizendo-se escravos de outros e entre elles numerosos dirigiam-se a mim para pedir-me de lhes conceder a liberdade e de fornecer-lhes um verdadeiro motivo de se associarem à alegria, que experimenta a nação paraguaya vendo-se libertada do governo que a opprimia.

Conceder-lhes o objecto de seu pedido fôra para mim uma doce ocasião de satisfazer os impulsos de meu coração, si tivesse eu poder para fazel-o. Mas o governo provisório, do qual estão Vossas Excellencias encarregados, estando felizmente constituido, é a elle a quem incumbe de decidir todas as questões, que interessam a administração civil do paiz. Não posso, pois, melhor agir do que dirigindo-me a Vossas Excellencias, como o faço, para chamar vossa atenção sobre a sorte desses infelizes no momento exactamente em que se trata da emancipação para todo Paraguay.

Tomando esta resolução, que pouco influirá sobre a produção e os recursos materiaes deste paiz, Vossas Excellencias inaugurarão dignamente um governo destinado a reparar todos os males causados por uma longa tyrannia, e a conduzir a nação paraguaya pelo caminho desta civilização que felicita os outros povos do mundo.”

Deus guarde a Vossas Excellencias.

GASTÃO D’ORLEANS.

Carlos Loisaga, Cirilo Rivarola e José Dias Bedoia, que constituíam o governo provisório paraguaio, não demoraram em responder ao apelo do príncipe, que vinha especialmente ao encontro de um dos pontos do programa governamental. Com a data de 2 de outubro de 1869 o governo paraguaio sancionou um ato declarando:

“Desde hoy queda estinguida totalmente la esclavitud en todo el territorio de la republica”.

Inteligentemente avisados os paraguaios falavam no decreto em indenisar “justa y oportunamente” aos ex-proprietarios. O ato está assinado por Bedoia e Loisaga.

 

Princesa Dona Isabel

Dona Isabel é conhecida como a redentora, mulher justa e piedosa. Muito querida por todo o povo brasileiro, fora motivo de raiva e temor de diversos membros da elite política da época. Era conhecida por sua luta profunda contra a mácula da escravidão.

Princesa Dona Isabel patrocinava diversas festas na corte brasileira com a finalidade de angariar fundos para a compra de cartas de alforrias, muitas vezes vendendo joias pessoais de sua mãe e Imperatriz Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias, que apoiava integralmente a luta de seu marido e sua filha. Em outras situações, ainda como uma moça, chegava a causar problemas para o Imperador ao abrigar ilegalmente negros fugitivos nas dependências do palácio e propriedade da Família Real, ferindo leis da época. Dentre as suas damas de companhia, sempre possuía damas negras consigo.

Dona Isabel teve um papel fundamental nas discussões da Lei do Ventre Livre, onde seu apoiado era o Visconde do Rio Branco. As discussões duraram mais de cinco meses com altos e baixos, nos momentos difíceis a Princesa sempre se empenhava para que o ânimo não caísse. Muitas vezes fora o combustível para o Visconde na tribuna. Em uma destas ocasiões, após uma reunião com Rio Branco, encaminhou-se para seu oratório, ajoelhou-se e implorou insistentemente a proteção divina para os que trabalhavam pela aprovação da lei.

Após a votação da lei em 28 de setembro de 1871, a população em massa aguardava o Visconde, quando ele apareceu na porta do Senado, recebera a maior e mais comovente manifestação de carinho que já se fizera a um homem público no Brasil. A Princesa fora a seu encontro, exultante e o cumprimentou com efusão:

“Bravo, Visconde! A sua vitória foi o mais belo exemplo em que os nossos homens de Estado devem mirar”

O Visconde respondeu:

“Perdão, Princesa! Se venci, é porque tinha apoio em Vossa Alteza e nos meus luminosos pares legislativos. Logo o mérito é menos meu que da ilustre e humanitária Regente e dos insignes representantes do País”

Quando da abolição, Dona Isabel escreveu carta a seus filhos Dom Pedro, Dom Luis e Dom Antônio sobre sua convicção em assinar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888:

“Meus filhos, se vocês lerem isto mais tarde, por favor, percebam que se sua mãe agiu assim na grande questão da abolição, foi por convicção de que seria o melhor para a nação, e que ela tinha o dever de zelar, para vocês todos, a quem deixaria sua fama de mãe e o trono livre de qualquer mancha de egoísmo ou de fraqueza. Deus me ajudou, meus filhos, a agir inteiramente de acordo com a minha consciência ” Carta da Princesa Imperial Dona Isabel do Brasil a seus filhos Dom Pedro, Dom Luis e Dom Antônio sobre sua convicção em assinar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888.

Passagem famosa fora a resposta ao Barão de Cotegipe que lhe dissera que acabara de libertar um povo, porém o feito lhe custaria o trono. Dona Isabel lhe respondeu:

“Se mil outros tronos eu tivesse, mil tronos eu perderia para pôr fim à escravidão!”

Uma outra contenda entre Dona Isabel e o Barão é de menor conhecimento, mas mostra a presença de espírito da Redentora. Em meio as discussões que tomavam o país e a política nacional, a Princesa cobrava Cotegipe que o ministério tivesse posição mais decidida sobre a questão. Cotegipe lhe aconselhara a manter-se neutra como fazia a Rainha Vitória da Inglaterra, numa disputa que dividia tão profundamente os partidos. Ela responde rapidamente:

“Mas eu tenho o direito de manifestar-me, e a Rainha Vitória é justamente acusada por sua neutralidade, prejudicial aos interesses da Inglaterra.”

Um dos planos da Princesa Dona Isabel era o processo de alfabetização e formação técnica dos negros libertos, que seria encabeçada pela Pia Sociedade São Francisco de Salles, coordenada por São Dom Bosco aos moldes do Instituto Sallesiano.

 

Pós Império

Em 1909, vinte um anos após a Abolição da escravidão, um dos Filhos da Princesa Dona Isabel, Dom Luís de Orléans e Bragança, (1878-1920) conhecido como “O Príncipe Perfeito” e líder do Movimento Monarquista no Período da Primeira Republica, publicou manifesto Político a favor da Restauração do Império Brasileiro, onde cita a abolição da escravidão por sua mãe como um passo fundamental para o Brasil se tornar uma grande potência Mundial:

“Extinta a chaga secular da escravidão, no Brasil já se organizava o trabalho livre: repletos os cofres públicos, graças á excelente administração dos últimos governos, as finanças nacionais atingiram no ano que precedeu à queda do regime, a uma prosperidade nunca vista no Brasil; as invenções técnicas que caracterizam o fim do século XIX vinham dar um novo incremento a todas as indústrias; a eletricidade, a grande produtora da energia nos países dotados, como o nosso, de inesgotáveis forças hidráulicas, entrava então no domínio da utilização pública, atraídos pela maravilhosa ‘oportunidade’, os capitais estrangeiros começavam a afluir.

Debaixo de tão favoráveis auspícios, qualquer país – e mormente o Brasil, que, pode-se dizer, saía então da adolescência – tinha forçosamente de progredir a passos de gigante.”

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Finalizo este breve apanhado histórico esperançoso de poder contribuir com meus compatriotas em sua busca por nossas raízes históricas. Também lamento que toda a deturpação histórica realizada ao longo destes mais de cem anos, fora promovida desde o início por aqueles que mais queriam a permanência da escravidão. Ainda atualmente, revolucionários tentam diminuir a verdadeira luta de todo o povo brasileiro representado pela família que os amava.

“ou ficar a pátria Livre, ou morrer pelo Brasil.”